sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

O soldado que escreveu e participou da História do Brasil

Todo mundo conhece e canta um dos mais belos sambas de enredo do carnaval carioca, graças a uma gravação de Martinho da Vila, de 1975, no disco "Maravilha de Cenário"...até você, meu caro leitor, já está sabendo qual é o samba, certo? Cantarole comigo: "Vejam, esta maravilha de cenário...


Com esta obra-prima, intitulada "Aquarela Brasileira", o meu  querido Império Serrano desfilou em 1964 e o autor, tanto da letra como da  melodia, chama-se Silas de Oliveira Assunção, que fez inúmeros sambas contando e descrevendo fatos marcantes da História do Brasil, como era a regra dos enredos do carnaval carioca. São de sua autoria também, "Cinco Bailes da Corte", "D. João VI", "Heróis da Liberdade", "Legado de Getúlio Vargas", "61 anos de República", entre tantos de outros.

Mas este mestre do samba também participou de uma página triste da História do Brasil e creio que poucas pessoas sabem. Mas o sambabook está aqui pra lhe contar...

A Segunda Guerra Mundial começou em 1939, com a Alemanha invadindo a Polônia...aos poucos o caldo foi engrossando e os governos dos países se viam compelidos a tomar algum partido. No caso brasileiro, dizem que nosso Presidente Gegê era simpático ao eixo do mal. O fato é que Getúlio Vargas demorou a escolher de que lado ficaria e, parece, que resolveram acelerar esta decisão.

O que registra a oficial história é que somente depois de uns submarinos alemães torpedearem e afundarem alguns navios brasileiros, na própria costa nordeste brasileira, é que entramos na briga. Era já uma exigência da comoção nacional, registravam os jornais de então. 


O soldado Silas de Oliveira é o do meio.
Um destes ataques ocorreu em agosto de 1942, no litoral da Bahia, quando um submarino nazista atingiu o navio Itagiba,  que saíra do Rio de Janeiro levando militares integrantes do 7º Grupo de Artilharia de Dorso, sediado no bairro de Campinho, com soldados nascidos e criados, em sua maioria em  Cascadura, Madureira, Oswaldo Cruz e Vaz Lobo. Entre estes o nosso Silas de Oliveira, ainda com 25 anos, residente no pé do Morro da Serrinha.

Com o impacto do torpedo, o navio afundou rapidamente, levando ao desespero 161 ocupantes, dos quais 83 sobreviveram, achados em alto mar e recolhidos pelo Iate Aragipe e levados para a cidade baiana de Valença,  para os necessários cuidados médicos. Graças a Deus, e para o bem do samba , nosso soldado Silas  conseguiu se salvar, atirando-se numa das poucas baleeiras que escaparam dos destroços, já repleta de outros colegas de naufrágio, até ser recolhido pelo tal iate. Somente em dezembro ele retornaria ao Rio, para a tranquilidade de sua família e de sua namorada, Elane, com quem se casaria mais tarde. A ela contou que, durante o naufrágio, tinha bebido muita água, razão de sua internação por tanto tempo.

É de a gente ficar pensando...quanto nós teríamos perdido de sambas maravilhosos caso esta vida tivesse sido interrompida? Quase todos os sambas de Silas de Oliveira que conhecemos foram produzidos depois desta época. Seria menos um artista, que num sonho genial, escolheu o Império Serrano pra fazer seu carnaval.


Para saber mais, sobre este gênio do samba-enredo, faça como eu fiz e leia: "Silas de Oliveira,  Do jongo ao samba-enredo", de Marília T. Barbosa da Silva e Arthur L. de Oliveira Filho. Vai lá e lê.  Um abraço e até a próxima.


terça-feira, 15 de janeiro de 2013

A Festa da Penha


Hoje, quando a gente escuta falar da Penha, bairro do subúrbio do Rio de Janeiro, em noticiários, o assunto é violência: Complexo do Alemão, Vila Cruzeiro, tráfico de drogas,  UPP, Adriano Imperador - não o da Grécia é claro, mas o ex-atleta de futebol. Todavia nem sempre foi assim. Lá está a Igreja de Nossa Senhora da Penha da França, no topo de uma grande rocha, que teve um tempo glorioso e especialmente ligado ao samba, nas primeiras décadas do século XX.

Lembro de ter ido, algumas vezes e quando criança,  ao Santuário da Igreja da Penha, numa época de festas, com muita gente, subindo as escadarias famosas, pagando suas promessas...muitas barraquinhas de comidas e venda de velas. O que ficou gravado na minha lembrança foi a magnífica vista. De lá se avistava, ao menos naquela época, desde o Aeroporto do Galeão, na Ilha do Governador, até o  Pão de Açúcar, já na zona sul da cidade.

Contam os livros que a igreja começou como uma pequena ermida, erguida pelo proprietário das terras, Capitão Baltazar de Abreu, ainda em 1635, em agradecimento a ter sobrevivido a um eminente ataque de uma cobra. Ele pediu e a Santa ajudou: “Minha Nossa Senhora, valei-me!”. Diz que, do nada,  apareceu um lagarto – de que tamanho seria este bicho? – que teria atacado a cobra e livrado a vida do tal capitão. Com o passar dos tempos, décadas e séculos,  a ermida foi se transformando em igreja e recebendo romeiros de toda a cidade. Inicialmente a festa era num domingo de setembro, mas devido a um grande temporal, foi transferida pra outubro e ficou. Mais do que isso, no lugar de ser apenas no primeiro domingo de outubro, passou a ocorrer em todos os domingos daquele mês. Foi então que se tornou um dos eventos mais importantes do Rio de Janeiro.


Desde 1906, quando passou a ter a aparência que tem até hoje, com seus 365 degraus, atraí milhares de devotos que vão assistir às missas e pagar suas promessas, por graças alcançadas, através da subida, a pé ou de joelhos até o santuário.

Um pouco antes, ainda no século XIX, a presença maior era de portugueses, mas pouco a pouco, os negros foram ocupando os espaços, inicialmente para a prestação de serviços aos visitantes. Eram as baianas que subiam com seus tabuleiros pra oferecer seus quitutes. Roberto Moura descreve até que a famosa Tia Ciata era uma destas negras que não perdiam a festa. Ela e outras baianas ficavam do lado de fora da igreja e, depois das missas, faziam os seus agradecimentos aos seus orixás, pelas vendas...embora nestes tempos, os negros não fossem, digamos, bem aceitos no ambiente. Havia conflitos que espelhavam a realidade social de toda a cidade. Vamos lembrar que a abolição da escravatura se deu em 1888.

As baianas e seus quitutes

De 1879 a 1907, o padre português e abolicionista Ricardo Silva chegou a fazer do local um abrigo de escravos fugidos, tornando a área conhecida como “Quilombo da Penha”. Talvez devamos muito a este padre o fato de a Festa da Penha ter se tornado um reduto do samba. Lembro de já ter lido certa vez uma narrativa do escritor e compositor Nei Lopes sobre ser este padre o criador da Festa da Penha. Foi ele quem trouxe para o Brasil um arquiteto portuga que  reformou a igreja e acabou também construindo o Instituto Oswaldo Cruz.

Mas pra virar reduto de samba não foi tão fácil...em 1918 veio um outro padre que simplesmente proibiu a venda de bebidas alcoólicas na festa, bem como “batuques” e expressões de sincretismo, tentando dar um cunho exclusivamente católico à festa. Eu não vou registrar o nome dele não tá? Se o Padre Ricardo nos ajudou no desenvolvimento cultural, este atrapalhou. Ou melhor, tentou melar a festa, mas as baianas continuaram montando suas barracas e, claro, as rodas de samba rolaram soltas, Graças a Deus.

Sinhô, João da Bahiana, Caninha, Donga, Pixinguinha, Ismael Silva e outros mais marcavam ponto nos domingos de outubro pra mostrar seus sambas. Heitor dos Prazeres, sambista das antigas, registrou num depoimento: “Naquele tempo não tinha rádio, a gente lançava a música na Festa da Penha. Eu só fiquei conhecido a partir da Festa da Penha”. Foi então um dos primeiros canais de divulgação do samba e do sambista. Se o samba agradava na Festa da Penha, fatalmente faria sucesso no Carnaval seguinte.


Ismael Silva subindo as escadas da Penha com seu violão

Claro a repressão não tardou a chegar para acabar com as batucadas e as bebedeiras durante a festa. Mas os negros resistiam, os sambistas faziam da festa uma oportunidade de divulgação de seus sambas, de realização de suas rodas, com seus pandeiros, violões e cavaquinhos. Muita briga, muito conflito e muita prisão se deu então. Mas o sambista persistia por lá bravamente.

E a Festa se transformou, cresceu, não só como reduto de fé, mas também como de resistência cultural e foi citada por grandes compositores em seus sambas, como Noel Rosa e Cartola. Aliás, faço aqui uma brincadeira pra dar um ar interativo ao meu modesto sambabook. Quem lembrar destes sambas vai sugerindo sua inclusão nos comentários pra enriquecer o post.

A escadaria de 365 degraus

Quem quiser saber mais pode - e deve - ler, entre tantos,  o livro Geografia Carioca do Samba, de Luiz Fernando Vianna. Vai la´e lê. Agora é com vcs...

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Sambabook no ar

Recomeçar...


Quem gosta de samba não aprecia somente a música, o som, o batuque. Samba envolve muito mais que um prazer de audição. Um papo, um balanço ou um pagode com os amigos, regado à cerveja e alguma comidinha para acompanhar é outro exemplo. E ainda mais... Hoje, depois de tantos anos passados desde o primeiro samba gravado, outro prazer tem me motivado e divertido. Ler e conhecer mais sobre o tema, suas histórias e personagens, ir um pouco mais a fundo neste mar tão deliciosamente brasileiro, são uma das minhas ocupações prediletas, desde que, aposentado, tenho mais tempo pra isso.

Esta motivação me fez buscar e “pescar” inúmeros textos e, sobretudo, adquirir livros e mais livros que falassem do samba. E como o samba e o choro são muito próximos, um tema levou ao outro e o interesse se expandiu também. A curiosidade do conhecimento aguçou ainda mais.

Como consequência natural, nas rodas de samba e choro em que participava, sempre aludia a um fato, contava uma história interessante sobre samba, sobre choro, de algum livro que estava lendo, e percebi que todos mantinham uma extraordinária atenção ao que eu falava e até perguntavam mais, principalmente sobre histórias mais distantes dos dias atuais. Não há prazer maior do que perceber jovens interessados em aprender sambas e choros antigos... vê-los executar peças de Pixinguinha, cantar sambas de João da Baiana é, para mim, como um sinal de que a vida segue e, como diz o meu amigo Barão do Pandeiro, “samba e choro não é pra ser resgatado. Resgate é coisa de ambulância e bombeiro...”

Numa destas rodas, num papo bem gostoso, um amigo sugeriu que eu escrevesse sobre as leituras que vinham me entusiasmando tanto, produzindo um blogue. A princípio eu descartei a ideia, achando que um blogue se presta a criar muitos textos, a contar histórias atuais e coisa e tal...mas com o tempo e, percebendo que as pessoas leem muito pouco, resolvi  então criar este “sambabook”, com a principal finalidade de estimular as pessoas à buscar os livros originais, onde li as histórias e, certamente, aprofundarem-se nos temas, descobrindo novos ângulos de saber,  ver , perceber, tocar, cantar e viver estas maravilhas genuinamente brasileiras, que são o samba e o choro.

A ideia é ir escrevendo aos poucos, registrando sempre as fontes e estimulando um mergulho bem maior nos livros, nos discos, nos sites, nos jornais, nas revistas, e nas poucas ofertas de programas de rádio e tv que abordem o assunto. Espero que apreciem e partam , de forma voraz, para a leitura dos livros. Caso gostem muito deste espaço eletrônico, por favor, recomendem e espalhem para seus amigos que o sambabook está no ar. Boa leitura!