sábado, 20 de fevereiro de 2016

O Garoto que pouca gente conhece

Considero uma das maiores injustiças da nossa história musical, o quase que total desconhecimento sobre a importância de Aníbal Augusto Sardinha, conhecido no meio artístico como Garoto. É mesmo estranho que a maioria das pessoas desconheça o grande instrumentista e inspiradíssimo compositor que foi Garoto.

No final de 2015, fiquei sabendo que o cineasta Rafael Veríssimo estava produzindo o documentário "Garoto, o Gênio das cordas", em comemoração ao centenário de Garoto, nascido em 28 de junho de 1915. O filme vai mostrar como o violonista trocou figurinhas com o Jazz, por ocasião da viagem feita aos Estados Unidos, para acompanhar a cantora Carmen Miranda, e com o impressionismo francês de Dubussy, para mais tarde trocar influências com o pianista, arranjador e compositor Radamés Gnatalli. 

Quem assina a pesquisa para o documentário é Lucas Nobile, responsável também pela produção musical, que colheu depoimentos inéditos de Carlos Lira, Dori Caymi, Guinha, Hamilton de Holanda, Henrique Cazes, João Donato, Joel do Nascimento e Paulinho da Viola, entre outros, todos unânimes em considerar Garoto, realmente , um Gênio da Cordas.

Desde de que fiquei sabendo do documentário, tentei contato com o pessoal da produção para saber quando seria lançado o filme. Há pouco tempo responderam a um contato meu, informando que "apesar de várias imagens já terem sido captadas com nossos esforços pessoais, o fato é que precisamos de patrocinadores para continuar a produção.
Para que atinjamos uma obra à altura de Garoto, é preciso remunerar muita gente. Além de músicos e outros participantes que aparecerão nas telas, existe toda uma equipe que vai de câmeras, roteiristas, produtores, técnicos de som, editores, finalizadores, pesquisadores, artistas gráficos. É preciso pagar direitos. Materiais de arquivo. Viagens. Hospedagens. Muita coisa. Mesmo.
O filme já está aprovado na Ancine (Lei Rouanet) para captação e em breve também estará no ProAC".

Fica aqui minha torcida para que consigam os recursos necessários para a finalização e o imediato lançamento do documentário, que poderá fazer mais justiça ao Gênio das Cordas, também um excelente compositor. Por hora, deixo para vocês, o teaser do filme, e prometo falar mais sobre Garoto nas próximas postagens.


"Gente Humilde", uma antiga composição de Garoto, teria surgido durante uma visita dele a um subúrbio carioca. De repente, ao observar aquelas pessoas e suas casas modestas, ele resolveu homenageá-las numa melodia. Tempos depois, o professor mineiro Valter Souto, gravou num acetado, registro que asseguraria a sobrevivência da composição, mantida inédita em disco comercial. Finalmente, quase quinze anos após a morte de Garoto, Baden Powell mostrou-a Vinícius e "Gente Humilde" ganhou letra de Chico e Vinícius. Obrigado por mais esta Baden!


Era isso. Acompanhe e comente. Semana que vem tem mais Garoto. Um artista muito maior que a belíssima canção "Gente Humilde". 



sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Que bom: Samba e Choro é coisa de preto sim!

O volumoso tráfico de negros, trazidos da África durante séculos, para o trabalho escravo no Brasil, tem sido objeto de muitos estudos e publicações, levando em consideração os mais diversos aspectos. Nesta semana, empreendi um tempo grande em leituras sobre as origens destes negros trazidos para as diversas regiões do Brasil, para trazer pra vocês um pouco deste conhecimento. E quero hoje registrar algumas percepções que se relacionam com o samba e o choro.

Podemos afirmar que os negros trazidos da África eram originários de dois grupos distintos, não só geograficamente falando, mas também referindo-nos a seus hábitos, cultura e religião: os Bantus e os Sudaneses ou oeste-africanos. Igualmente interessante observar, além da origem de onde vieram, para onde foram levados. Vejamos um mapa que separei para o leitor com estes registros:



Os Bantus vieram das regiões que se estendiam desde a costa atlântica africana, de países como Angola, até o Congo e Moçambique e foram levados aos portos do Rio de Janeiro e de Pernambuco. Já os Sudaneses eram originários da Guiné, Costa do Marfim, Benin, Togo, Gana e Nigéria, e foram trazidos em massa para a Bahia. Esta origem, e as diferenças entre as culturas, explica muito, em minha opinião, porque a Bahia e o Rio de Janeiro são tão distintos, no que tange a religiosidade praticada em uma e outra cidade. E é, justo neste ponto, que acabam oferecendo influências diferenciadas para as manifestações musicais dos dias de hoje. E até mesmo explica como surgiram, no Rio, o samba e o choro.

A grosso modo, podemos dizer que o povo vindo de Guiné e região são de cultura religiosa Iorubá. São povos monoteístas de língua nagô, que cultuam o Deus Olorum, e têm os orixás como secundários. O Candomblé, muito presente na Bahia, é um belo exemplo desta unicidade religiosa.

Os Bantos já apresentam outras características. Não falavam uma única língua e sim várias aparentadas e não possuíam uma religiosidade bem unificada, sendo dados a sincretismos com outras manifestações. No Rio, em contato com o catolicismo e o espiritismo,  gerou o que conhecemos como Umbanda.

Na passagem do século XIX para o XX, em seguida à Abolição da Escravatura e também da decadência da cultura do café, na região do Vale do Paraíba, um grande contingente de negros bantos se desloca das fazendas para o Rio de Janeiro, visto que lá já não tinham meios de sobrevivência, como ex-escravos e sem trabalho para o sustento. Vinham mesmo a pé, seguindo a estrada de ferro que ligava o Rio a São Paulo, e acabaram por ficar nos bairros de subúrbio carioca, especialmente em Madureira e região. Eram negros de formação rural, bem diferentes dos Iorubás mais urbanos da Bahia.

Cerca de 30 anos antes, chegaram ao Rio também os negros de origem Iorubá, vindos da Bahia. Mas estes vieram de navio, instalando-se na região central da cidade, onde ficava o porto e logradouros próximos. Diferentemente dos bantos das fazendas de café, os iorubás já constituíam uma espécie de classe média em Salvador, e alguns de seus descendentes tinham acesso a livros e ao estudo regular.

Note o leitor, assim como eu percebi, uma diferença de preparo entre os negros que vieram da Bahia e se instalaram na Cidade Nova e os que migraram das fazendas paulistas e se fixaram nos morros suburbanos do Rio. Também o Rio do Centro, essencialmente urbano, era bem diferente do subúrbio, quase uma zona rural, à época. Enquanto os bantos se misturavam aos cariocas rurais, os iorubás abriam seus pequenos comércios ou se empregavam no poder público como nos Correios ou na Guarda Nacional. Alfredo da Rocha Viana, pai de Pixinguinha, um destes baianos , era funcionário da Repartição Geral de Correios e Telégrafos, e Hilária Baptista de Almeida, a famosa tia Ciata, tinha um pequeno comércio no ramo de alimentação que empregava mais que uma dezena de pessoas. Seu marido, João Batista da Silva, que tinha cursado medicina em Salvador, sem ter concluído contudo, era funcionário da Delegacia de Polícia.

Enquanto estes baianos iorubás mantinham seu culto religioso em suas casas, seguindo no Candomblé, os  negros bantos iam misturando santos do catolicismo e dogmas do espiritismo,  nos terreiros de umbanda do subúrbio. Embora para maioria da população branca do Rio tudo fosse "macumba" e coisa de preto. 

Musicalmente, os baianos se inseriram logo no carnaval carioca dos Ranchos, já que eram iniciados em teoria musical e dominavam instrumentos de sopro e corda, liam partituras e executavam polcas, lundus e maxixes com facilidade e excelência na execução. Entre eles, surgiu Pixinguinha, o gênio da raça, que por sua genialidade e beleza de suas composições, ganhou penetração na sociedade carioca e criou o chorinho, a expressão maior da nossa música instrumental.

Um pouco mais tarde, em meados da década de 1920, os bantos começam a aparecer no cenário musical também. Estes, não sendo iniciados em teoria musical, faziam seus batuques nos morros periféricos dos subúrbios do Rio, se organizaram em grupos de percursionistas, introduzindo aqui e ali, cada vez mais novos elementos de ritmo, que acabaram por formar os blocos carnavalescos que deram origem às escolas de samba. Entre seus líderes, Mano Elói, Carlos Cachaça e Carola, na Mangueira, e Paulo Benjamin de Oliveira, que embora nascido no centro em 1901, mudou-se para Oswaldo Cruz, bairro próximo a Madureira, ainda jovem, e formou o bloco  Baianinhas, que deu origem a Portela. 

No início da década de 1930 já existiam três dezenas de Escolas de Samba nos subúrbios da Central do Brasil. E os cantores do rádio, que começa a ganhar espaço, buscaram conhecer a novidade nos morros, e gravam as composições dos artistas bantos, que acabaram por fixar o samba como uma das maiores expressões da nossa música. 

Tudo isto explica as diferenças entre as manifestações musicais do Rio e Janeiro e da Bahia. Um é choro e samba, o outro é batuque e axé. Um é roda de samba e choro, o outro é trio elétrico, Filhos de Gandhi e Olodum. O que importa mesmo é que tudo isso é coisa de preto.

Para saber mais sobre o assunto e muito mais, recomendo a leitura do excelente livro da professora Marília Trindade Barboza, de quem tenho orgulho de ter contato vez por outra, chamado "Coisa de Preto". Ela é também autora de várias obras biográficas como as de Silas de Oliveira, Paulo da Portela e Cartola, essenciais em minha estante.

Gostou? Então inscreva-se no blog, siga-o e fique à vontade para comentar. Este é o combustível e a motivação para seguir dando luz ao samba e ao choro, missão maior deste espaço. Um abraço e até a próxima.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

O esquecido Gradim merece estar aqui

Uma das tarefas deste espaço é dar luz a importantes personagens do nosso samba. Em muitas pesquisas e leituras que faço sobre alguns destes craques, as dificuldades são imensas. Na última postagem, citei dois esquecidos compositores, sobre os quais se tem pouca notícia, mesmo relendo livros que, para mim, são referências no assunto,  como os de Ary Vasconcelos (Panorama da Música Popular Brasileira) e o Dicionário da Música Popular Brasileira, de Ricardo Cravo Alvim. Hoje quero dar alguma luz a Gradim, sugestão feita por um assíduo leitor, em seus comentários.

Muito pouco encontrei sobre a vida de Gradim, cujo nome é Lauro dos Santos. Mas graças a suas composições e parcerias com Noel Rosa, Ismael Silva e outros, há registros de belos sambas, gravados no inicio da história do samba.

Sua primeira canção gravada foi "Vem, meu bem", na voz de Benício Barbosa, pelo selo Odeon, em 1928. Ainda identificado como Lauro dos Santos, teve a ventura de ser gravado por Francisco Alves e Mário Reis, dois dos maiores cantores da época, que registraram "Quá, quá, quá", em dezembro de 1930.

A dupla voltaria a gravar Gradim, em 1931, pela Odeon, através do samba "Nem assim", todos de sua exclusiva autoria, sem participação de parceiro. Temos a letra de "Nem Assim":

Ai minha vida
Oh Deus tenha pena de mim
Deixei a maldita malandragem
Para ver se endireitava
Mas nem assim

Para ver se endireitava
Eu deixei a malandragem
De que não adiantava
Nunca mais levei vantagem
Vou voltar a vida antiga
Pra voltar a ser feliz
Do contrário Deus castiga
Foi no samba que eu me fiz

Ai minha vida
Oh Deus tenha pena de mim
Deixei a maldita malandragem
Para ver se endireitava
Mas nem assim

No samba foi que eu nascí
Nele tenho que morrer
Porque isso eu já vi
Que é o meu maior prazer
Quem achar que não está bem
Pode até falar de mim
Não vou atrás de ninguém
Hei dei viver sempre assim

Gradim era mais um dos frequentadores dos bares do Estácio e conviveu com Ismael e aquela turma incrível e criativa que deu a roupagem definitiva ao samba que hoje conhecemos.

Participante também do bloco dos Arengueiros, que deu origem a Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, Gradim foi da primeira geração de compositores da agremiação, ao lado de Cartola, Carlos Cachaça, Zé com Fome, o depois chamado Zé da Zilda, e outros. Integrou também a comissão de bateria, no primeiro e vitorioso concurso de 1932, ao lado de Maciste, Martins, Ismar e Lúcio. Seu nome sempre é citado como o responsável pela entrada de Jamelão, o mais famoso intérprete de sambas da Mangueira, na Escola.

Com Noel Rosa compôs "Quero Falar com Você", gravado em 1933, na voz do cantor João Petra de Barros.




Outro samba bem bacana incluí Ismael Silva e Noel Rosa na parceria com Gradim. É "Sempre Sorrindo", gravado também por João Petra e que integra a coleção "Noel Pela Primeira Vez", que, Graças Deus, tenho aqui comigo. 


Não sabemos outros dados de Gradim. Nada. Onde nasceu, em que ano e nem quando morreu. Achei referência de que foi um bom jogador de futebol, tendo atuado ao lado de Leônidas da Silva, o famoso craque da seleção, criador da bicicleta. Como muitos de sua época, Gradim faleceu vítima de tuberculose.

Outros sambas de Gradim são: "Samba na Mangueira", "Não se faz de inocente", e "Alegria", famosa na voz de Cartola, mas poucas vezes citada como parceria com nosso Gradim.


É isso aí... por esta é só. Vamos ver se acho alguma coisa sobre seu amigo Maciste. 

Um abraço e até a próxima. Fique à vontade para comentar e sugerir pautas pra mim...motiva-me muito.