sexta-feira, 29 de março de 2013

São Pixinguinha

Não é fácil pra ninguém escrever sobre seus ídolos. Eu confesso um pouco de medo, oriundo do profundo respeito que tenho por este extraordinário brasileiro que, nascido Alfredo da Rocha Viana Filho, ficou  conhecido por todos como Pixinguinha. É uma ousadia escrever sobre ele, ainda mais quando se tem , Graças a Deus, muita coisa espalhada por aí. Mas este é o objetivo deste blogue, lembram? Vou tentar trazer para meus leitores alguma novidade, fatos que não são tão conhecidos.

Uma de suas obras mais complexas e de difícil execução chama-se "Gargalhada". A confusão já começa no gênero, enquanto uns consideram um fox-concerto, outros nomeiam como choro. O certo é que Pixinguinha compôs Gargalhada quando já tinha passado a tocar saxofone e registrou, para Altamiro Carrilho, que tinha escrito a obra em homenagem a ele, um dos poucos capazes de executá-la. Certa vez um amigo flautista me disse que, a partir de um ponto da música,  parece que duas flautas tocam ao mesmo tempo. Escutem um trecho desta interpretação do Conjunto Época de Ouro, tendo Antonio Rocha na flauta, captada numa apresentação ao vivo do grupo.




Uma das melhores histórias que envolvem  Pixinguinha dá conta de que certa vez, voltando pra casa, foi abordado por um ladrão que lhe pediu, além do dinheiro e o relógio, mais a caixinha que ele carregava. Pixinguinha entregou tudo, inclusive a caxinha que era onde estava sua flauta. O bandido pediu também fósforos para acender um cigarro e a chama iluminou o rosto do assaltado, sendo logo reconhecido pelo ladrão. Sem graça, o assaltante se desculpou do infortúnio: "Desculpe seu Pixinguinha, eu conheço o senhor aqui do bairro e suas serenatas, não perco uma..."e devolveu tudo. Como estavam perto da casa de Pixinguinha, este convidou o ladrão a entrar e sentaram pra tomar umas cervejinhas juntos até de manhã.

Uma de suas primeiras composições, gravada em 1917, foi Rosa, de inúmeras novas versões e nas mais variadas vozes. O nome original desta valsa era "Evocação", mas logo ganhou o nome de Rosa, quando Otávio de Souza, um mecânico que morava no Engenho de Dentro, natural em Nova Friburgo, compôs a letra.

 

Pixinguinha sempre gostou de tomar "umas e outras"  como diziam os cariocas de seu tempo. Nas décadas de 50 e 60, e já com uma certa idade, ainda era assíduo frequentador  do Bar Gouveia, ali na Travessa do Ouvidor, no Centro do Rio. Chegava, sentava sempre na mesma mesa e tomava aquelas geladas, antecedidas por uma "boa calibrina". Em março de 1963, ao entrar no Gouveia comoveu-se ao ser recebido por diversos músicos que executavam "Carinhoso". Era uma homenagem do Sr. Guilherme Gouveia, dono do Bar, que oferecia ao grande mestre uma cadeira cativa. Na placa os dizeres "Ao professor Pixinguinha, a Casa Gouveia oferece a sua cadeira cativa - 30.03.1953 a 30.03.1963". Entre os músicos presentes estavam, entre tantos,  Donga, João da Baiana, Luna e César Faria, com seu filho Paulo César, que depois passou a ser chamado de Paulinho da Viola.
Alfredo Neto, Pixinguinha, João da Baiana e Alfredinho do Flautim
 
Outro fato interessante ligado a Pixinguinha ocorreu quando dos festejos de seus 70 anos, em 1968. Quando tudo já estava marcado e preparado para uma grande homenagem, vai que o genial Jacob do Bandolin, que também era um dos melhores pesquisadores quando o assunto era música, descobre que Pixinguinha não nascera no dia 23 de abril de 1898, como todo mundo achava, inclusive o próprio. Jacob foi a a igreja de Santana, onde Pixinguinha havia sido batizado, e constatou que o certo era 23 de abril de 1897. Mas quando ele contou pro Pixinguinha ouviu do velho e genial compositor um pedido: "Vamos guardar segredo. Já pensou a decepção para o pessoal que está prestando todas estas homenagens a mim? Museu da Imagem e do Som, Governo do Estado, Assembléia Legislativa...vixe". E assim foi feito. Mas podemos afirmar que neste ano de 2013, Pixinguinha faria 116 anos.

Altamiro Carrilho e Carlos Poyares gravaram um dos discos de que mais gosto, só com peças de Pixinguinha, em 1975. O álbum e´ "Pixinguinha de novo", bom do princípio ao fim, mas quero dividir com meus leitores a faixa "Desencanto", um maravilhoso e emocionado choro, dos meus preferidos.







Num belo sábado de fevereiro de 1973, a Banda de Ipanema tinha um desfile marcado pelas ruas de Ipanema. E neste mesmo dia, 17,  Pixinguinha também tinha um compromisso em Ipanema: batizar o menino Rodrigo, filho de Euclides, um rapaz mineiro que muito foi ajudado por Pixinguinha, nos seus primeiros dias na Cidade Maravilhosa. Pixinguinha chegou cedo na Igreja de Nossa Senhora da Paz e, durante o batismo, passou mal e veio a falecer ali, dentro de um igreja, comprovando e confirmando o apelido dado por Hermínio Belo de Carvalho, um de seus parceiros:  São Pixinguinha.

O livro "Pixinguinha vida e obra', do jornalista e escritor Sérgio Cabral é uma referência em biografia do mestre Pixinguinha. Foi nele, entre outras fontes, que busquei saber sobre a vida do personagem desta postagem. Sugiro que leiam e se deliciem com esta grande vida e obra. 

Um abraço e até a próxima. 

quinta-feira, 21 de março de 2013

Uma luz sobre um grande instrumentista

Particularmente considero o período que vai do final dos anos 20 ao início dos 40, do século XX, como um dos melhores e mais exuberantes da nossa música. Por uma feliz e gloriosa coicidência, neste período aconteceram algumas coisas que contribuíram muito para a chamada "época de ouro" da música popular brasileira, em especial a chegada do rádio. 

O interesse era grande apesar das poucas unidades iniciais
Oficialmente, a primeira transmissão de rádio ocorreu no dia 7 de setembro de 1922, numa cerimônia que celebrava o centenário da independência no Rio de Janeiro, com o discurso do presidente Epitácio Pessoa e a execução da ópera "O Guarani", de Carlos Gomes. Nos anos seguintes, lideradas por Roquete Pinto, foram inauguradas diversas emissoras de rádio no Brasil. Na mesma época, desenvolveram-se também a gravação eletromagnética do som e o cinema falado. O leitor imagina o furor destas três forças, atuando concomitantemente e as suas consequências nos hábitos e cotumes, especialmente na capital da República.

Junte-se a tudo isso a necessidade de contratação de profissionais para atuar, tanto nas áreas técnicas como nas artísticas. E aí vem e acontece o melhor: aparecem talentos incontestáveis para produzir, executar e cantar as canções que surgiam aos borbotões. Surgem na década de 30 nomes como os de Ary Barroso, Noel Rosa, Lamartine Babo, Braguinha, Assis Valente, Ismael Silva entre outros tantos compositores. Cantores tais como Mário Reis, Silvio Caldas, Almirante, Carlos Galhardo, Carmen Miranda e outras. E instrumentistas que, somados a Pixinguinha que já estava na ativa há algum tempo, ajudaram a tornar esta, a epoca de ouro. São eles o flautista Benedito Lacerda, o bandolinista Luperce Miranda, o pinanista Radamés Gnattali e o saxofonista e clarinetista Luis Americano. E é sobre este último que busquei saber mais e descobri fatos bem legais.

Luís Americano era sergipano e chegou ao Rio de Janeiro em 1921 como soldado do éxercito, onde integrava a Banda Marcial. Mas logo ao dar baixa, viu oportunidade de se juntar a outros instrumentistas e unir a necessidade de sobrevivência com o gosto pela música. Assim, participou de diversas orquestras e de gravações de algumas canções desta fase de ouro do rádio. Na célebre gravação da marchinha "Mamãe eu quero", de Jararaca e Vicente Paiva, de 1937, ele eternizou a "risada" de seu clarinete logo na introdução da mesma. Escutem, a seguir,  a gravação original da marchinha que estou no carnaval, com participação de Almirante e o próprio Jararaca nas falas iniciais, bem como o clarinete de Luis Americano.
 

Numa outra gravação histórica fez toda a introdução da primeira canção de sucesso do jovem e promissor cantor Nélson Gonçalves, em 1942, quando "deitou e rolou" no sax-alto, num fox-trote típico da época, , chamado "Renúncia", que depois viraria um samba para fazer sucesso também no carnaval. Ouça o trabalho de Luiz Americano nesta gravação original 



É bom registrar também que, em 1940, ele fez parte daquele grupo de instrumentistas selecionados por Pixinguinha, a pedido do maestro Villa-Lobos, para participar das gravações para Stokowski, famoso regente americano que visitava o Brasil. Eis a gravação de "Tocando pra você", realizada no navio Uruguai, para o álbum Native Brazilian Music, com o Luiz Americano, acompanhado pelo maravilhoso pandeiro de João da Baiana, contribuição de meu amigo e ilustre leitor, Barão do Pandeiro.


Além de exímio instrumentista, Luís Americano foi um compositor frequente do choro e da valsa, tendo inúmeras gravações de suas canções registradas, tais como "È o que há", "Saxofone porque choras" , "Luís Americano na PRE 3", "Tocando pra você", "Sossega Juca", "Intrigas no buteco do Padilha", e tantas outras...escutemos algumas.



 
                                       
                                           
                                                  
A gravadora Revivendo lançou, em 2010, 3 cds de sua obra, intitulada  "Luíz Americano - 50 anos de saudade" que podem ser encomendados  no sítio do selo

Recomendo também, para quem quiser saber mais sobre a era de ouro da nossa música e mais, muito mais, o livro "A Canção no Tempo" de Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello. Vai lá e lê.

terça-feira, 12 de março de 2013

A construção de uma música realmente brasileira passou por Chiquinha Gonzaga

Não tenho lembrança alguma de ter ouvido falar em Chiquinha Gonzaga na minha infância e adolescência. É curioso este fato porque outros expoentes do choro transitavam por meus ouvidos livremente e meu interesse pelo gênero sempre existiu. Os nomes que me eram familiares eram os de Pixinguinha,  Ernesto Nazareth, Jacob do Bandolim e Waldir Azevedo. Até conhecia a marchinha "Oh abre alas...", mas não sabia quem era o autor ou autora. Hoje, sabendo que Chiquinha Gonzaga produziu, pelo menos,  mais de 1 mil peças musicais, sinto-me motivado a agradecer a sua principal biógrafa, Edinha Diniz, cuja obra, publicada em 1984, gerou uma série de fatos e motivou que diversas pessoas produzissem trabalhos falando de Chiquinha Gonzaga. 

Um destes trabalhos e que certamente tornou a nossa personagem mais popular foi produzido pela TV Globo, em 1999. A mini-série "Chiquinha Gonzaga", escrita por Lauro César Muniz e dirigida por Jayme Monjardim fez o maior sucesso e até gerou outro produto: a caixa de DVD, em seis volumes, lançada em 2008. Claro que a mini-série, bem ao jeito da tv brasileira, se preocupou muito mais com a vida diferenciada e de muitas dificuldades da mulher Chiquinha Gonzaga do que com sua vasta e histórica obra. Mas devemos, mesmo assim, louvar a iniciativa da emissora, porquanto tornou nossa maestrina popular.



Depois de publicada a obra de Edinha Diniz, já foram gravados diversos Cds, como os dos pianista Clara Sverner e Antônio Adolfo, totalmente dedicados às peças musicais de Chiquinha Gonzaga. Igualmente foram apresentadas peças de teatro, como "Forrobodó", de Luiz Peixoto e Carlos Bitencourt, musicada por Chiquinha , cuja primeira montagem se deu em 1912, levada ao público carioca em 1995, no Centro Cultural Banco do Brasil, e depois  às grandes praças do País, sempre com presenças expressivas de público.



Na minha opinião a contribuição de Chiquinha Gonzaga para formação de uma música caracteristicamente brasileira foi fundamental. Ela pegou exatamente a fase de transição do século XIX pra o XX,  quando  as transformações ocorridas na cidade do Rio de Janeiro, citadas em outra postagem, permitiram que nossa música fosse forjada. O carioca saía muito às ruas. Ouviam-se muitas polcas, valsas, lundus e outras canções de origem européia, nas confeitarias da Rua do Ouvidor. Lugar onde a nossa Chiquinha tocou muito. Estas peças musicais aqui foram bem mescladas com o batuque e a malemolência dos negros, gerando o choro, o samba  e as marchinhas carnavalescas. A maestrina, professora e instrumentista soube bem captar este clima e produzir, como Patápio, Calado e Nazareth, as nossas primeiras melodias bem brasileiras, abrindo caminho para o que veio depois. A primeira marchinha carnavalesca é dela também. "Ô abre alas" que ela  compôs em 1899, teve mais tarde, uma gravação bem interessante e que ficou para história do nosso Carnaval. 



Percebemos este "abrasileiramento" em muitas músicas de Chiquinha e cada um de nós terá as suas preferências nos exemplos, sem contudo deixar de apreciar todas. A primeira  foi "Atraente", em 1877 que teve, numa época sem mídia, 15 edições de sua partitura. É mole uma estreia assim? Depois vieram "Lua Branca", um clássico das serestas; Corta-Jaca (Gaúcho), Bione...epa...esta eu quero que vcs. ouçam e reparem como já tem clima bem carioca e brasileiro o tema.



A extraordinária brasileira ainda arranjou tempo para participar de diversos movimentos de sua época, envolvendo-se, de corpo e alma, com a luta pela Abolição da Escravatura, a Proclamação da nossa República e a defesa do direito autoral, sendo fundadora da SBAT, Sociedade Brasileira de Autores Teatrais. É pouco o seu legado?

Quem quiser se aprofundar e conhecer mais sobre Chiquinha Gonzaga, tem um bom material a pesquisar. Eu recomendo o livro da Edinha Diniz, "Chiquinha Gonzaga, uma história de vida" e uma visita ao sítio oficial www.chiquinhagonzaga.com , organizado por Wandrei Braga. Vai lá que você vai gostar. Um abraço e até a próxima.

segunda-feira, 4 de março de 2013

A Pedra do Sal ontem e hoje

Quando escrevi sobre o Rio de antes do samba, uma jovem amiga carioca, mandou-me uma mensagem referindo-se a uma roda de samba que acontece na Pedra do Sal, perto da Praça Mauá, no centro da Cidade Maravilhosa. Confesso que desta roda nunca participei, mas lembro do Morro da Conceição e da subida da Pedra do Sal, desde os tempos em que minha mãe me levava no Hospital dos Servidores, ali no bairro da Saúde. O lugar é cheio de história e vale a pena a gente registrar aqui.

Já li em vários livros que o bairro da Saúde e adjacências eram o local do Rio onde, nos séculos XVII e XVIII desembarcavam os escravos vindos da África para serem comercializados. Alguns não suportavam as condições precárias da longa viagem e já chegavam mortos ao destino. E muitos outros chegavam doentes, fracos e sem condições de serem vendidos naquele estado de saúde. Neste caso eram levados para as chamadas "casas de engorda" para serem alimentados e recuperados. O mar avançava até a região onde hoje está a Pedra do Sal, início da subida do Morro da Conceição.  Nesta região localizava-se toda a estrutura que preparava os negros para a venda no Cais do Valongo.


A tal pedra já chamou-se "quebra-bunda", mas depois ganhou o nome de Pedra do Sal, devido ao grande volume de sacas de sal levadas pelos negros morro acima. Dizem que a escadaria que até hoje se vê no local foi esculpida pelos próprios escravos, sem a utilização de ferramentas adequadas, para facilitar a subida.

Já na virada do século XIX para o XX, depois portanto da Abolição da Escravatura, começaram a chegar na região, negros vindos da Bahia, dando origem a uma comunidade que praticava, sem grandes problemas, seus hábitos religiosos, suas rodas de capoeira e batucadas. É muito comum a gente encontrar referências a "Pequena África", região compreendida entre a Praça Mauá e o Catumbi, no Rio, passando pela Praça XI,  onde residiam muitos negros vindos principalmente da Bahia.

Esta vocação da região da Pedra do Sal continuou por ocasião do êxodo de trabalhadores, ex-escravos, das fazendas de café do estado do Rio e do Interior de São Paulo, por conta da decadência do comércio de café. Os negros então buscaram abrigo na capital federal, em especial, onde sabiam que já residiam outros semelhantes baianos.

Muitos consideram esta região portuária do Rio de Janeiro, como a de origem do samba e do choro, porquanto moraram ou frequentavam a região, ícones como  João da Baiana, Donga, Sinhô, Pixinguinha, Heitor dos Prazeres, entre outros. Também da região era Hilário Jovino, criador de um dos primeiros Ranchos Carnavalesco do Rio, o Dois de Ouro. De lá também saíram as famosas baianas Bibiana, Marcelina e Ciata que promoviam em suas casas, batuques que mais tarde deram origem ao samba carioca que conhecemos. 

Não tendo dúvida da importância da área para a comunidade negra do Rio e para a cultura brasileira, o Governo do Estado Rio de Janeiro decretou o tombamento da Pedra do Sal, como patrimônio  cultural, em 20 de janeiro de 1984, devolvendo para o lugar um merecido movimento de sambistas que realizam as tais rodas de sambas, lembradas por minha amiga Ligia Tralhão.


Eu pesquisei muitos videos, livros e sítios na internet para produzir este texto. Mas recomendo, para quem quiser saber mais sobre  a Pedra do Sal a leitura de "Tia Ciata e a Pequena África no Rio de Janeiro" do Roberto Moura. É um referência sobre as origens do samba urbano carioca. Vai lá e lê.

Fique à vontade para tecer algum comentário. Um abraço, grato pela visita e até a próxima.