quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

O Rio de Janeiro de antes do choro e do samba

Fiquei pensando aqui com os meus botões, meu caro leitor, se é possível imaginar uma cidade como o Rio, nos tempos em que nem samba e nem chorinho ainda existiam...pesquisando aqui e acolá, cheguei a um quadro interessante, mas que confesso, não é tão fácil de "sentir" depois de tantos anos....os textos sobre Chiquinha Gonzaga e Joaquim Calado, nos ajudam um pouco. 

Vamos nos situar no tempo e no espaço. O período a que me refiro é mais ou menos o compreendido entre o final da Guerra do Paraguai e a Proclamação da República, algo entre 1870 e 1889. Nos livros de história ficamos sabendo que os gastos com a Guerra do Paraguai tinham aumentado, de forma considerável, a nossa dívida externa. As fazendas de café do Estado do Rio de Janeiro e de São Paulo, responsáveis pela maior exportação brasileira, agora sofriam com a queda vertiginosa dos preços do grão no mercado internacional.
O Rio de 1885, segundo Marc Ferrez

O Rio tinha , em 1872, segundo o primeiro senso realizado no Brasil, uma população de 274.972 pessoas. Era o Brasil Imperial ainda e em plena utilização do trabalho escravo, especialmente nestas regiões produtoras de café. Um época de muita efervescência política na cidade e de discussões de questões que culminaram com a Abolição da Escravatura e a Proclamação da República, fatores geradores de movimentos migratórios para o Rio de Janeiro, que, já em 1890, na aferição do segundo senso, contou 522.651 habitantes.

Era o tempo da criação dos grêmios políticos e literários, das associações recreativas que intensificaram a vida urbana. O carioca passa a ter hábitos mais sociais e logo são abertas várias confeitarias, propiciando que instrumentistas realizassem apresentações e saraus aqui e ali, para mostrar suas polcas. Creio que estas condições fizeram com que a organização do tipo patriarcal, familiar, fosse substituída pelas sociedades civis, não ligadas ao governo, que promoviam encontros, discussões, audições de piano e a apresentação de peças teatrais. 

É neste ambiente que surge uma mulher que não reconhecia limites de participação e que queria mostrar seu trabalho, suas criações musicais. Chiquinha Gonzaga que já havia passado por dificuldades por conta de seu temperamento, separada inclusive dos filhos, frequenta confeitarias e lança em 1877 a sua polca "Atraente", com um sucesso que obteve 15 edições de sua partitura.



O Rio passa a ter vida noturna e surge a figura do seresteiro, primeiro isoladamente, com seu violão a apresentar modinhas. As confeitarias multiplicam-se, agora até com a presença de senhoras, que sentam-se às mesas e pedem seus sorvetes, doces e pastéis, licores e cervejas. Os artistas passam a marcar ponto na Confeitaria Castellões, na Rua do Ouvidor. Carlos Gomes, quando ia ao Rio, por lá passava para encontrar o pessoal do Teatro e da Música. São também deste tempo a Confeitaria Paschoal, na Rua do Ouvidor, nr. 128, muito frequentada pelo abolicionista José do Patrocínio e a Colombo, que ainda hoje tem grande simpatia do carioca.

Os café-cantantes também foram instalados neste início de boêmia carioca e neles rolavam apresentações de cançonetas maliciosas de duplo sentido. O bonde surgia pra facilitar a movimentação deste  novo público e a Rua do Ouvidor era o "must", o "point" da cidade. 


Rua do Ouvidor 1890
Uma rua estreita e cheia de elegantes lojas, cujos donos eram predominantemente franceses, ditava a moda, costumes e fofocas. O escritor Machado de Assis a descreve em vários de seus contos e romances, dizendo que ela era o paraíso dos boatos. Por isso mesmo, quando cogitaram alargar a rua, ele preocupou-se em frisar que "o boato precisa de aconchego, do ouvido à boca para murmurar depressa e  baixinho..."


Este era o Rio que proporcionou que o choro surgisse e que tivesse um interesse grande do público. O mesmo ambiente que, um pouco mais tarde, foi forjando as condições para o surgimento do samba...mas aí já vale uma outra postagem...

A recomendação pra quem quiser saber mais sobre o tema, vai para "História Social da Música Popular Brasileira", de José Ramos Tinhorão e "Chiquinha Gonzaga, uma história de vida", de Edinha Diniz. Boa leitura e até a próxima.

9 comentários:

  1. Muito importante esse momento em que a modinha de origem portuguesa se encontra com os ritmos africanos, dando origem a uma música popular vibrante e extremamente variada. Isto aconteceu em todas as Américas e o Brasil, Rio de Janeiro à frente, foi particularmente abençoado.
    Chiquinha Gonzaga é uma figura que merece muito mais divulgação, ela é muito mais do que "O Abre Alas". Fiquei surpreso quando li que ela foi até pioneira da indústria fonográfica. Quanto ao velho Machado, aproveito para recomendar um de seus contos, "Um homem célebre", que narra as desventuras de um dos primeiros "pop stars" da MPB, no tempo em que esta era, principalmente, polca.

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  2. João, suas recomendações são um convite a obtenção de mais boa cultura. Machado de Assis foi o grande cronista deste Rio que trato na postagem. Uma delícia reler seus contos.
    Na pesquisa o que me surpreendeu foi a rapidez de evolução populacional do Rio. De 270 mil em 1870 para mais que 1 milhão em 1908...
    A Doba Francisca é motivo pra várias postagens...o que essa "cumadre" tem de história e pioneirismo não está no gibi. Grato pelo comentário e um abração.

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  3. Caraca Caldas, que legas isso ... eu sempre quis sabaer mais a respeito do samba e do choro ... se tem uma coisa que eu queria mto na vida era ter vivido nos tempos da bossa nova, mas isso é outra história,... andei lendo a respeito de Adoniran Barbosa, que é um cara que eu curto mto, nao só pela simplicidade das suas letras e músicas mas pela sua persistência, embora nao cantasse nadica de nada com aquela voz de taquara rachada, nao se entregou e foi a luta pelas ruelas do samba e chegou até onde sabemos ... essa musiqueta da Chiquinha me lembrou Ernesto Nazaré no começo, mas depois foi ficando enriquecida, um verdadeiro colorido de instrumentos ... maravilha meu ... grande abraço

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    1. Amigo,
      Não consegui identificá-lo, mas agradeço muito sua participação e leitura do blogue. Nossa música, em especial o samba e o choro, tem muito conteúdo legal para ser divulgado e eu me sinto bem escrevendo sobre o que leio e levando ao conhecimento de meus amigos e seguidores.
      Peço que nos próximos comentários vc. entre de forma a ser identificado. Muito obrigado mais uma vez e volte sempre! Abração

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  4. Maravilhoso este seu trabalho, parabéns Cláudio. Ficamos no aguardo da próxima postagem. Tenho toda certeza que será tão interessante quanto esta que acabo de ler.

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    1. Muito obrigado pela visita Jucélia, por se tornar uma seguidora do blogue e mais ainda pelas palavras de incentivo. Beijos

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  5. Transcrevo comentário do amigo Euclides Colombo, de Itapema: "Boa tarde amigo Caldas.
    Gostei da forma simples e objetiva com que você trata e resgata aspectos culturais relevantes.
    Parabéns pela pesquisa, conteúdo e divulgação!
    Abraço
    Euclides Colombo
    www.institutocolombo.com.br

    Agradeço a ilustre visita Colombo e as palavras elogiosas. Gosto de divulgar as coisas do samba e do choro, e se faço de forma que você gosta, estou bem na foto.
    Abração

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  6. Transcrevo mensagem recebida via e-mail, de minha amiga Ligia Tralhão, jovem dentista lá do Rio de Janeiro:
    "Oi Claudio,

    Mto interssante seu blog, deixa eu te falar, vc já escutou falar na Pedra do Sal???...é um sambinha q dizem q foi a primeira roda de samba carioca, realizado pelos escravos....fica ali perto da pça Mauá....acho q deve ter sido antes da data do seu texto.....o mar antigamente ia até ali....

    Bjs
    Ligia

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    1. Ligia,
      Muito grato pela visita. Você que adora samba e participa de rodas de sambas aí na Cidade Maravilhosa me instiga a pesquisar mais sobre a Pedra do Sal. Pelo sei, fica no Morro da Conceição, ali perto da Praça Mauá mesmo. Parece que a roda acontece nas segundas-feiras atualmente. Mas o lugar é um marco da história do Rio. Dizem que foi o primeiro morro ocupado do Rio. Merece mesmo uma postagem...tô lendo e em breve escrevo um artigo sobre o assunto. Beijos

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