segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Samba de Breque: que parada é essa, mermão?

Há um monte de variações que podemos incluir na árvore principal do samba. Uma destas é o samba de breque, que foi imortalizado pelo cantor e compositor Moreira da Silva, o Morengueira. Ele virou a marca registrada daquele tipo de samba que dá umas paradinhas no andamento normal e introduz umas frases no vazio, nos intervalos dos versos...

"Na Subida do Morro" é um samba de breque autêntico, de autoria de Geraldo Pereira, Ribeiro Cunha e do próprio Moreira da Silva.

Para gente falar das origens, de como surgiu este tipo de samba, é preciso pesquisar muito e, ainda assim, citar algumas possíveis "verdades", sem ser categórico. O crítico musical Tárik de Souza, por exemplo, diz que o samba de breque é uma variante do picote rítmico do samba-choro. O que dá pra dizer é que a gente já encontra estas "paradas" no meio do samba até mesmo em Sinhô, na gravação de "Cansei", por Mário Reis, em 1929.





De fato era uma parada, mas ainda não dá pra dizer que fosse aquela que seria imortalizada na voz de Moreira da Silva,  pelo menos 10 anos depois. Luiz Barbosa talvez tenha sido o verdadeiro precursor como intérprete do samba "Risoleta", de Wilson  Baptista e Haroldo Lobo. Esta gravação, de 1937 sim,  na minha opinião, inicia o estilo "samba de breque". 


 Mas se o leitor me pergunta:  "que parada é essa mermão?" eu já respondo: o Samba de Breque é caracterizado por um intervalo  no acompanhamento,  acentuadamente sincopado, quando o intérprete diz alguma coisa em complemento à frase musical anterior.  Estas paradas  são chamadas breques, do inglês "break", que significa freio de carro. Os "breques" são versos  apenas falados que conferem um ar de malandragem ao samba. 

Moreira da Silva foi o grande representante do samba de breque. Entrou em algumas parcerias com Geraldo Pereira, com Wilson Baptista, mas ele mesmo confessou,  em vida, que deixou uma grana das boas pra ambos em alguns sambas, sem ter composto uma linha de criação sua sequer. Comprou a parceria. Não tiro o mérito dele nem um pouco ...foi um grande artista e deu luz a este tipo de samba. Enfim, o cara perfeito pra levar o recado, já que ele era realmente frequentador das rodas de malandragem do Rio dos anos 30. 

Foi com  o samba "O Rei do Gatilho", de Miguel Gustavo, que Moreira da Silva tornou-se Kid Morengueira


O estilo seguiu e segue até hoje e , vez por outra, outros intérpretes lançam mão de sambas de breque. Germano Mathias, sambista paulista é um deles. Jorge Veiga foi outro...até Gilberto Gil, nosso ex-ministro da Cultura, também fez samba de breque. Nei Lopes, em parceria com o saudoso João Nogueira fez "Baile no Elite", belo samba.

Até a próxima...

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

O Malandro: uma figura criada pelos sambistas



Não há como dizer o contrário. O vocábulo e o significado da palavra “malandro”  está ligado intimamente  ao Rio de Janeiro e associado ao carioca em geral, embora apenas muito poucos sejam malandros. Mas afinal, leitor amigo, o que é um  malandro?


Lembro de quando cheguei a Floripa, em 1982, vindo do Rio, a  cidade onde nasci, ter ouvido de vários clientes e colegas da agência bancária onde trabalhei, quando perguntavam de onde eu vinha e dizia, a expressão: “carioca é malandro”. Compreendia e logo percebi que as pessoas faziam um  juízo equivocado de mim. É que a maioria associa o carioca a alguém que não trabalha, que não é chegado a dureza da labuta diária. Pensava então que, muito provavelmente, a imagem do malandro tinha virado um estereótipo do carioca, trazido ao conhecimento popular através do samba.


Já li em vários livros que a expressão "malandro" surgiu na primeira metade do século XX, mais exatamente na era de ouro da nossa música, do samba em especial, através do rádio, das gravações elétricas dos discos e dos jornais cariocas.


Os primeiros sambistas do Estácio e da Lapa – bairros do centro do Rio – falavam de um certo carioca, aquele meio marginalizado da sociedade, mas que usava terno branco de linho inglês, chapéu de palha, calçado branco e preto, camisas em listras horizontais coloridas, navalha no bolso, que sobrevivia às custas de algum esquema ou golpe. O jogo de cartas, a "gigolagem" (táticas de conquista baratas para usufruir dos bens e do dinheiro de mulheres em geral), pequenos estelionatos, alguma forma de ganhar dinheiro, sem grandes esforços ou em algum emprego formal, fizeram a fama deste carioca descrito nos sambas de Moreira da Silva, Wilson Baptista e Geraldo Pereira, entre outros geniais sambistas da época – anos 1930 e 1940.



Mas este mesmo tipo, no entanto, era extremamente sedutor, galante, cavalheiro e um amante dos mais desejados pelas mulheres. Vale lembrar do hino do malandro, o samba “Lenço no Pescoço”, composto por Wilson Baptista, que descreve bem melhor que eu, o tema desta postagem.

Meu chapéu do lado 
Tamanco arrastando
Lenço no pescoço
Navalha no bolso
Eu passo gingando
Provoco e desafio
Eu tenho orgulho
Em ser tão vadio


Sei que eles falam
Deste proceder
Eu vejo quem trabalha
Andar no miserê
Eu sou vadio
Porque tive inclinação
Eu me lembro era criança
Tirava samba-canção

A escritora Cláudia Matos, autora do livro "Acertei no Milhar", traça interessante caminho para mostrar como este conceito do "malandro" começou, cresceu e se cristalizou entre nós. Ela também acredita que a ideia do malandro, como temos nos dias atuais,  deve-se ao pessoal do samba, desde os que ela chama de  "primitivos", como Donga, João da Baiana, Caninha e Sinhô, passando pelos primeiros do Estácio como Bide, Marçal e Ismael Silva, e se solidificando com os bambas Wilson Baptista, Geraldo Pereira e Moreira da Silva.


 De fato Sinhô já dizia num samba que:
"A malandragem é um curso primário
 que a qualquer é bem necessário.
 É o arranco da prática da vida
 que só a  morte decide o contrário."

Chico Alves gravou, de Bide, o samba "Malandragem que dizia:
"A malandragem eu vou deixar
 Eu não quero outra vez a orgia
 Mulher do meu bem querer
 Esta vida não tem mais valia".

E assim, a figura do malandro foi sendo construída e costurada nos discos de 78 rotações. Compositores dizendo que a malandragem existia, mas querendo se regenerar, eles registram que o malandro, apaixonado, prometia abandonar aquela vida e a orgia.

As gerações foram surgindo no mundo do samba, até que chegou a vez de Wilson e Geraldo, na minha opinião, os grandes responsáveis por consolidar o estereótipo deste malandro e o seu modo de ser. A malandragem que até hoje transfere a fama a todos os nascidos no Rio.

Mas deixo meus leitores esclarecidos que a própria malandragem teve seus momentos distintos.  Considero que o Estado Novo de Getúlio Vargas naturalmente fez com que os sambistas escrevessem várias páginas na direção contrária ao da malandragem. Nesta época era negócio fazer samba que valorizasse o trabalhador...o próprio Wilson, que se orgulhava de ser vadio, mudou o rumo de sua prosa e se adequou rapidinho à nova ordem político-social, passando a escrever sambas exaltando quem trabalhava. "Bonde São Januário", parceria com Ataulfo Alves é um exemplo. Vejam o vídeo na voz de Ciro Monteiro.



E para fugir da censura e da polícia, surge um novo tipo de samba onde Wilson e Geraldo foram craques:  o samba de breque.



Por incrível que pareça, esta história do samba de breque tem muito ainda o que falar...vamos  deixar pra uma outra postagem? Mas se você quiser saber mais sobre o tema da malandragem, procure o livro da Cláudia Matos que ela dá um show de análise de muitos sambas sobre o tema. 

Abração e até a próxima.

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Saiu o "Songbook" do Wilson Baptista

Meu caro leitor, estou feliz da vida! Chegou aqui em casa, na semana passada, um exemplar do "Cancioneiro Comentado de Wilson Baptista", um muito recentemente lançado livro que contém 105 partituras cifradas da obra do grande sambista. Trata-se de um trabalho primoroso do multi-artista Rodrigo Alzuguir, que acha graça quando eu chamo o seu livro de "Songbook do Wilson Baptista". Mas o apelido é pertinente, gente! Olha só que belezura de capa e de contracapa



















Além das partituras cifradas o livro traz também um perfil biográfico do sambista, que responde, em grande parte, a um questionamento antigo meu, sobre o esquecimento deste gênio do samba. Parece que encontramos a resposta no fato de Wilson não ter tido grandes preocupações consigo mesmo, com sua saúde, seu futuro e também a ver com o tempo, a época, em que faleceu. Foi em 1968, quando aquela onda de revalorização de sambas e de velhos sambistas ainda não tinha ocorrido. No início dos anos 70 é que viraram moda e até mesmo cult, os sambas de Adoniran Barbosa, de Cartola, de Nélson Cavaquinho, Ismael Silva, e outros...Mas em 1968, o pessoal estava ligado mesmo era nos efeitos do Golpe Militar, em como acabar com aquele tempo de exceção política. Deu azar portanto o nosso Wilson Baptista.

O principal adversário dele era ele mesmo. A sua forma de levar a vida, bem desleixada, na boêmia e vivendo da venda imediata de seus sambas, ou parte deles, em parceria, não dando atenção ao fato de que, além do dia de hoje, sempre haverá o de amanhã. Assim, diferentemente do que fizeram tantos outros compositores que, além da atividade musical, sempre tiveram alguma outra atividade profissional ou burocrática paralela, Wilson insistia em viver apenas da música. A primeira vez que chamou a atenção da rapaziada que gostava e entendia de samba, talvez tenha sido com  "Lenço no Pescoço", que Sílvio Caldas gravou em 1933.


Pesquisando aqui e acolá, topo com livros que registram a época de ouro do rádio e da nossa música, entre os anos 30 e 50 do século XX, e vejo referências várias a cantores e compositores que tinham empregos e bicos, ora integrando os castings das rádios, das orquestras ou mesmo tendo empregos formais...e ele? Acreditava e vivia de seu samba, mesmo sofrendo um deslavado preconceito, sempre sendo chamado de vagabundo. Ele só não tinha um trabalho formal.
Tudo bem. Sejamos justos em fazer uma breve ressalva. Entre 1936 e 1937, Wilson formou uma dupla de cantores com Erasmo Silva, na Orquestra "Os  Almirantes Jonas" que os levou a ficar fora do Rio de Janeiro, excursionando durante dois anos pela Argentina e sul do Brasil. Fixaram-se até um tempo em programas de rádio nas emissoras Record e Tupi de São Paulo. Eram a dupla "Verde Amarelo", que se vestia de uma forma meio ridícula, o que muito aborrecia o vaidoso Wilson Baptista. Durou apenas estes dois anos. Erasmo bem que gostaria de continuar, mas não aguentava muito o jeito como gostava de viver o seu parceiro de voz. Sempre em busca dos bares e cabarés, da noite, apesar de não gostar de se embebedar. Erasmo também achava estranho que o Wilson compusesse belos sambas e entregasse a obra a outros cantores. Deu briga e se separaram.
A dupla verde e amarela: Erasmo e Wilson

Wilson gostava era mesmo da night carioca. Aquele submundo da Lapa, das dançarinas de cabaré, era a sua "praia". Era de onde tirava inspiração e tão bem realizava suas crônicas em forma de canção. Conhecia de muito perto a realidade e os dramas daquelas mulheres sofridas e descrevia como poucos os seus sentimentos. Aliás, foi quem, muito antes de Chico Buarque, fez sambas na voz feminina, do sentimento das mulheres. São muitos os sambas que comprovam este "incorporar" feminino de sua lavra. Um bom exemplo é "Boca de siri", que pede que ninguém conte a farra da moça pra seu moreno. Ouçamos a versão que Cristina Buarque gravou.


Araci de Almeida gravou em 1944 "Sambei 24 horas", uma parceria de Wilson com Haroldo Lobo e que é outro belo exemplo de samba na primeira pessoa feminina. 




Wilson pretendia escrever um livro de memórias, que ele chamaria de "Café Nice"...nossa!!! Ia ser um baita registro de uma vida tão intensa. Tenho comigo o prólogo escrito ainda em 1964. Vejam:

“Por ser com a palavra prólogo que os mestres escritores começam as suas obras, eu também usarei prólogo. Sambista, aspiro escrever minhas memórias. Os amigos que me deram o prazer do feliz contato, ficarão sabendo que não irão ler nenhuma obra-prima, mas apenas anotações de um compositor que faz um esforço tremendo para botar nestas linhas o que conseguiu ver e guardar na memória, durante anos no rádio, os episódios mais marcantes.
De fato, vi muita coisa, seu crescimento, suas diabruras e até sua maioridade. Depois de muitas pesquisas e perguntas se valia a pena ser escritor ou não, se valia a pena escrever essas memórias, o lado sim venceu o lado não. Então, depois de compor mais de 720 músicas, letras e músicas, com parceiros e sem parceiros, gravado pela maioria dos nossos melhores cantores, com mais de um terço dessas músicas fazendo sucesso, cantadas em todo o Brasil e algumas no estrangeiro, vivendo exclusivamente de direitos autorais dessas músicas, e já tendo sido cantor com disco gravado, trabalhando em emissoras e conhecendo todas as atividades da música popular durante muitos anos, tento contar aos amigos o que vi por dentro e por fora dos bastidores, como nascem os grandes sucessos, como viviam seus autores, quem foram seus intérpretes, como apareceram, o que pretendiam, o que conseguiram, suas lutas.
Não acho que mereço ser criticado como escritor, pois no momento não me julgo como tal. Depois de muitas lutas – se devia ou não –, numa tarde em Sepetiba dou a primeira canetada no meu samba mais difícil até hoje. Que me ajude o vento, o mar, o sol – frágil nesse mês de junho –, que me ajude Deus.
Por ter sido ali na Avenida Rio Branco, anos atrás, no modesto café de cinco portas, com cadeiras e mesinhas de vime do lado de fora, com cocos verdes no chão e ao seu redor, que todos nós do rádio tivemos nossos primeiros sonhos, dou a essas memórias o seu nome: Café Nice.
Sepetiba (RJ), 3 de junho de 1964.

Este foi Wilson Baptista. Você deve sempre querer saber mais sobre ele, conhecer seus belíssimos sambas e, desta forma, fazer justiça àquele que foi, na opinião de Paulinho da Viola, o maior de todos. 

O Cancioneiro já está à venda nas lojas. Mas quem quiser fazer como eu, pode encomendá-lo através da fan page do Projeto no Facebook, cujo endereço é https://www.facebook.com/WilsonBaptista100Anos . Melhor ainda pra quem estiver no Rio que poderá ir assistir ao espetáculo "O Samba Carioca de Wilson Baptista", que está em cartaz no Casarão Ameno Resedá, às sextas e sábados, às 21h, onde também é vendido o livro.

Um abraço e até a próxima.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Toda luz ainda é pouca para Wilson Baptista

Estou entre os que consideram Wilson Baptista um dos maiores sambistas de todos os tempos. Sem querer escolher o melhor, sabemos hoje muito sobre a obra de Cartola, Noel Rosa, Nélson Cavaquinho, Geraldo Pereira, Ismael Silva, Ataulfo Alves, e os mais recentes Candeia, Paulinho da Viola e Martinho da Vila. Mas cá pra nós, entre todos estes nomes, o menos conhecido é mesmo Wilson Baptista. O cara é tão esquecido que seus sambas mais cantados são atribuídos como sendo de seus intérpretes. Mas eu tenho certeza que o leitor deste meu cantinho já ouviu e gosta muito de sambas como "Meu mundo é hoje".


Pois então, o camarada fez mais de 600 sambas comprovadamente e mais uns tantos que a gente nem sabe, porque ele vendou por inteiro sem constar o nome na parceria. Quer mais um exemplo? "Emília", em parceria com Haroldo Lobo, faz sucesso desde a primeira gravação de Vassourinha, em 1941. 

"Louco", teve mais de 50 gravações diferentes , todo mundo canta por aí e ninguém sabe que é dele, em parceria com Henrique de Almeida. Vejam este vídeo com o Galocantô. 



O que dizer do samba de breque eternizado por Moreira da Silva "Acertei no Milhar", numa genial parceria com Geraldo Pereira?
O pessoal gosta, canta e ri muito, mas nem todos sabem que é obra do nosso Wilson Baptista. Ouçamos a gravação original.


Wilson Baptista jamais se preocupou com o amanhã, como deixou claro no samba, "meu mundo é hoje, não existe amanhã pra mim..." Fez sucesso sim, como compositor, através das inúmeras gravações de seus sambas e marchinhas de carnaval, que lhe rendiam o suficiente para sobreviver do jeito que gostava, sem relógio de ponto e frequentando o Café Nice e outros badalados botecos, sem se embebedar, curtindo a boemia carioca , que tão bem descreveu em seus sambas. 

Foi um  dos maiores vendedores do "mercado" musical dos anos 30, 40 e 50. E vendia caro, não era a preço de banana como muitos poderiam pensar...sabedor que direito autoral aqui no Brasil não é confiável, tratava de garantir a vida à vista e no ato. Por isso tantos parceiros desconhecidos nos selos de gravação, ao lado de muitos outros bambas, realmente compositores, como Nássara, Geraldo Pereira, Ataulfo Alves, Benedito Lacerda, Haroldo Lobo, José Batista e próprio Noel Rosa, com quem fez uma única canção. Ouçamos "Deixa de ser Convencida", samba de Noel e Wilson, na voz de Roberto Paiva.


Meu amigo e leitor assíduo, João Velho, fã nr. zero de Nara Leão, sempre lembra que Nara fez ressurgir vários bons sambistas, gravando Cartola, Nelson Cavaquinho, Zé Kéti, Paquito, Anescar do Salgueiro, Casquinha da Portela e outros mais, numa época em que todos estavam esquecidos. Até por Nara nosso Wilson não foi lembrado. Quem sempre deu luz a seus sambas foi Paulinho da Viola que gravou, além da citada "Meu mundo é hoje", "Chico Brito", "Mulato Calado", "Nega Luzia", "E o 56 não veio", "Emília" e "Mundo de Zinco". 

A genial Cristina Buarque também lembrou de Wilson Baptista no seu trabalho de título "Ganha-se pouco, mas é divertido", totalmente dedicado ao sambista, cuja faixa onde está um pot-porri destaco pra você ouvir. Nela, com a ajuda de outros intérpretes, ouçamos "Louco", "Emília", "Oh seu Oscar", "Rosalina", "O Bonde de São Januário" e "Mundo de Zinco".






Rodrigo Alzuguir, sem dúvida, é o maior divulgador da obra do maestro da caixa de fósforo, por isso quero recomendar que meus leitores conheçam todos os trabalhos relacionados aos seu belíssimo Projeto "O Samba Carioca de Wilson Baptista". Além do sítio na internet (http://osambacariocadewilsonbaptista.blogspot.com.br/), ele produziu um cd duplo e um musical apresentado em diversos teatros do Rio de Janeiro, o livro "Wilson Baptista - cancioneiro comentado", uma espécie de songbook com 105 partituras de música do sambista, e ainda uma nova biografia que breve estará nas livrarias de todo o País.

Há muito ainda o que dizer sobre este extraordinário sambista. Fica pra próxima. Mas na postagem anterior, que vem logo abaixo, tem umas outras canções de Wilson, estas sim, muito pouco conhecidas do público em geral. Siga, leia e ouça.


quarta-feira, 3 de julho de 2013

Hoje e sempre Wilson Baptista

Um dos fatos que mais me entristecem no mundo do samba é o total esquecimento que sofre um dos meus preferidos compositores do gênero: Wilson Baptista . É gênio. Como Cartola, como Noel, como Paulinho da Viola. E no entanto, pouco reconhecido. Já falei dele aqui no sambabook por conta de uma polêmica com Noel Rosa. E esta é mais uma tristeza. Quando falo dele as pessoas só lembram por conta desta tal polêmica. É incrível que não conheçamos sua obra, que é vasta. É inexplicável que as rádios e tvs não executem quase nada de seus sambas, verdadeiras crônicas do cotidiano carioca dos anos 1930 a 1960.

Hoje, 3 de julho de 2013, Wilson Baptista completaria 100 anos se ainda entre nós estivesse. E vou falar pouco. Sua obra é uma história. É a crônica do dia a dia do Rio de Janeiro de seu tempo Vamos ouvir mais do que ler hoje. É preciso que este genial sambista seja reconhecido e eu peço a ajuda de vocês nesta tarefa.
 
O blogue O Couro do Cabrito preparou uma seleção de sambas pouco conhecidos dele. Humildemente reproduzo para que meus leitores conheçam e curtam estes sambas,

Estás no meu caderno (Benedito Lacerda - Osvaldo Silva - Wilson Baptista) - Samba gravado em 1934 na VICTOR - canta: Mario Reis

Não durmo em paz (Geraldo Augusto - Wilson Baptista) - Samba gravado em 1936 na ODEON - canta: Carmen Miranda 1936

Meu último cigarro (Wilson Baptista) - Samba gravado em 1937 na COLUMBIA - canta: Déo

Não sei dar adeus (Ataulfo Alves - Wilson Baptista) - Samba gravado em 1939 na ODEON - canta: Déo

Mania da falecida (Ataulfo Alves - Wilson Baptista) - Samba gravado em 1939 na VICTOR - canta: Ciro Monteiro

Quando dei adeus (Ataulfo Alves - Wilson Baptista) - Samba gravado em 1939 na VICTOR - canta: Odete Amaral

Carta verde (Valfrido Silva - Wilson Baptista - Armando Lima) - Samba gravado em 1940 na COLUMBIA - canta: Zila Fonseca

Brigamos outra vez (Marino Pinto - Wilson Baptista) - Samba gravado em 1940 na VICTOR - canta: Aracy de Almeida

Depois da discussão (Marino Pinto - Wilson Baptista) - Samba gravado em 1940 na VICTOR - canta: Odete Amaral

É mato (Alvaiade - Wilson Baptista) - Samba gravado em 1941 na ODEON - canta: Odete Amaral

A voz do sangue (Valfrido Silva - Wilson Baptista) - Samba gravado em 1941 na ODEON - canta: Newton Teixeira

A mulher que eu gosto (Ciro de Souza - Wilson Baptista) - Samba gravado em 1941 na VICTOR - canta: Ciro Monteiro

Hildebrando (Haroldo Lobo - Wilson Baptista) - Samba gravado em 1941 na VICTOR - canta: Ciro Monteiro

Essa mulher tem qualquer coisa na cabeça (Cristóvão de Alencar - Wilson Baptista) - Samba gravado em 1942 na VICTOR - canta: Ciro Monteiro

O Juca do Pandeiro (Augusto Garcez - Wilson Baptista) - Samba gravado em 1943 na ODEON - canta: Aracy de Almeida

Gosto mais do Salgueiro (Geraldo Augusto - Wilson Baptista) - Samba gravado em 1943 na ODEON - canta: Aracy de Almeida

Como se faz uma cuíca (Haroldo Lobo - Wilson Baptista) - Samba gravado em 1944 na VICTOR - canta: Anjos do inferno

Apaguei o nome dela (Haroldo Lobo - Wilson Baptista - Jorge de Castro) - Samba gravada em 1944 na CONTINENTAL - canta: Arnaldo Amaral

Benedito não é de briga (Geraldo Augusto - Wilson Baptista) - Samba gravado em 1945 na ODEON - canta: Quarteto Ases e Um Coringa

Outras mulheres (Wilson Baptista - Jorge de Castro) - Samba gravado em 1945 na RCA VICTOR - canta: Carlos Galhardo

Memórias de um torcedor (Geraldo Gomes - Wilson Baptista) - Samba gravado em 1946 na ODEON - canta: Aracy de Almeida

Filomena, cadê o meu? (Wilson Baptista - Antônio Almeida) - Samba gravado em 1949 na RCA VICTOR - canta: Anjos do Inferno

Olhos vermelhos (Roberto Martins - Wilson Baptista) - Samba gravado em 1951 na RCA VICTOR - canta: Anjos do Inferno

domingo, 23 de junho de 2013

Zé Bispo também completaria 100 anos em 2013

Se eu começar a escrever aqui sobre José Bispo Clementino dos Santos, ou sobre o Moleque Saruê, os meus leitores vão logo dizer: "Lá vem ele desenterrar mais um sambista desconhecido". Amigo leitor, desta vez não é o caso. Hoje o papo é sobre Jamelão, uma figura do mundo do samba das mais conhecidas, seja por sua grande voz, como intérprete da Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, ou por seu temperamento sincero demais para os dias atuais, nos tempos do "politicamente correto". 

Ele é mais um dos que nasceram em 1913 e completariam cem anos, neste 2013. Para ser mais exato, ele veio ao mundo no dia 12 de maio, no bairro de São Cristovão, no Rio de Janeiro. Já era engraxate quando ganhou o apelido de "Moleque Saruê", por conta de ter que dar uma força em casa, logo depois da separação de seus pais. Já morando no suburbano bairro do Engenho Novo, ainda adolescente, ganhava um troco vendendo jornais e conheceu uma rapaziada que jogava futebol na Piedade, mais algumas estações de trem acima da onde morava. Já mais velho e rapaz passou a frequentar as "Domingueiras" da Piedade e aprendeu a dançar, chamando a atenção das moças do bairro. 
Foi neste ambiente que ele começou a cantar e também onde ganhou o apelido. Ele mesmo contou certa vez numa entrevista concedida ao Jornal do Brasil: "Quando comecei a jogar futebol no Piedade Futebol Clube, a turma costumava sair e ir jantar num restaurante. Um dia me levaram para a gafieira e lá surgiu o nome Jamelão. O pessoal na brincadeira falou para o gerente que eu gostava de cantar. Não é que eu gostasse, eu sabia as músicas da época, a gente cantava junto. O cara não sabia meu nome e foi para o microfone e anunciou Jamelão. Ficou. "

Já nos anos 1940, incentivado por amigos, começou a participar de programas de calouros e acabou contratado pela Rádio Clube do Brasil...daí não parou mais de cantar, passando pelas emissoras de rádio que bombavam na época, como a Rádio Guanabara e a Rádio Tupi, onde estava Ary Barroso, apresentador do mais famoso programa do gênero. Tinha passado o dia todo ensaiando uma canção do próprio Ary e quando chegou a vez de cantar, cadê que a letra vinha? Não teve dúvidas...sobre a melodia decorada, foi colocando letra e fez a maior salada. Digamos que produziu uma parceria não autorizada.

Durante este tempo cantava em Dancings e gafieiras, como crooner de pequenas orquestras. Em 1949 teve uma oportunidade de ouro - e bem aproveitada - para ter visibilidade, ao substituir o cantor Francisco Alves , num concurso de sambas para o Carnaval, ocorrido no Teatro João Caetano. O samba era "Maior é Deus", de  Gilberto Martins e lhe valeu o primeiro lugar e um contrato com a gravadora Odeon, para  o seu primeiro disco.

O sucesso foi crescendo até ser convidado, já em 1952, por Severino Araújo, para integrar, como crooner,  a Orquestra Tabajara, que faria uma excursão a Europa, participando de um evento na França. E Jamelão, que nem sequer conhecia quase nada do Brasil, já estava cantando em Paris, é mole? Pouco depois trocou a Odeon pela Continental e gravou grandes sucessos como "Leviana" (Zé Keti e Armando Reis) e "Folha Morta" (Ari Barroso).



Os grandes sucessos foram se repetindo com o passar dos anos e as gravações inesquecíveis das canções românticas de Lupicínio Rodrigues, tornaram-se uma marca do grande Jamelão. Creio que este ciclo foi inaugurado com o samba-canção "Ela disse-me assim"
.


Enquanto muitos chamavam os sambas-canções que cantava de "músicas de dor de cotovelo", ele fazia questão de registrar que eram canções apenas românticas. E foi assim que tornou-se ainda mais conhecido no gênero, obtendo muito sucesso com as gravações de "Matriz ou filial" de Lúcio Cardim, "Esses Moços" e "Quem há de dizer", ambas de Lupicínio Rodrigues, "Molambo", de Jaime Florence e Augusto Mesquita e "Castigo", de Dolores Duram. 

Outros grandes sambas viraram sucesso em sua voz. De sua autoria  podemos citar "Esta Melodia", em parceria com Bubu da Portela; "Eu agora sou feliz", parceria com Mestre Gato; "Quem samba fica", dele e de Tião Motorista. Gosto de lembrar uma passagem contada pelo extraordinário Nélson Sargento, sobre o samba "Cântico à Natureza" que praticamente tornou-o conhecido no mundo do samba. Todos conhecem Nélson Sargento por conta do samba "Primavera" e que era um bem grave, cadenciado e que , por sugestão de Jamelão, foi alterado para um  refrão pra cima, vigoroso, e acabou vencendo o concurso de samba-enredo e representou a Mangueira no carnaval de 1955.


O envolvimento e a empatia de Jamelão com a Mangueira é total. Foi seu intérprete por muitos e muitos anos e tornou esta função nos desfiles, de suma importância. Mas alto lá, não vão chamar o cantor de samba-enredo na avenida de "puxador de samba"...ao menos na frente de Jamelão...ele virava uma fera. De temperamento difícil, não gostava de ser importunado e nem de tirar fotos. Muitas vezes, contou uma vez Chico Buarque, ele fingia que estava dormindo só pra não aturar papo furado...Graças a Deus viveu por bastante tempo e deixou um exemplo de amor a sua Mangueira e valorizou a função de intérprete na avenida.


É isso aí...o grande Jamelão que faleceu em junho de 2008, já com 95 anos, deixa muita saudade em todo o mundo do samba.