domingo, 23 de junho de 2013

Zé Bispo também completaria 100 anos em 2013

Se eu começar a escrever aqui sobre José Bispo Clementino dos Santos, ou sobre o Moleque Saruê, os meus leitores vão logo dizer: "Lá vem ele desenterrar mais um sambista desconhecido". Amigo leitor, desta vez não é o caso. Hoje o papo é sobre Jamelão, uma figura do mundo do samba das mais conhecidas, seja por sua grande voz, como intérprete da Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, ou por seu temperamento sincero demais para os dias atuais, nos tempos do "politicamente correto". 

Ele é mais um dos que nasceram em 1913 e completariam cem anos, neste 2013. Para ser mais exato, ele veio ao mundo no dia 12 de maio, no bairro de São Cristovão, no Rio de Janeiro. Já era engraxate quando ganhou o apelido de "Moleque Saruê", por conta de ter que dar uma força em casa, logo depois da separação de seus pais. Já morando no suburbano bairro do Engenho Novo, ainda adolescente, ganhava um troco vendendo jornais e conheceu uma rapaziada que jogava futebol na Piedade, mais algumas estações de trem acima da onde morava. Já mais velho e rapaz passou a frequentar as "Domingueiras" da Piedade e aprendeu a dançar, chamando a atenção das moças do bairro. 
Foi neste ambiente que ele começou a cantar e também onde ganhou o apelido. Ele mesmo contou certa vez numa entrevista concedida ao Jornal do Brasil: "Quando comecei a jogar futebol no Piedade Futebol Clube, a turma costumava sair e ir jantar num restaurante. Um dia me levaram para a gafieira e lá surgiu o nome Jamelão. O pessoal na brincadeira falou para o gerente que eu gostava de cantar. Não é que eu gostasse, eu sabia as músicas da época, a gente cantava junto. O cara não sabia meu nome e foi para o microfone e anunciou Jamelão. Ficou. "

Já nos anos 1940, incentivado por amigos, começou a participar de programas de calouros e acabou contratado pela Rádio Clube do Brasil...daí não parou mais de cantar, passando pelas emissoras de rádio que bombavam na época, como a Rádio Guanabara e a Rádio Tupi, onde estava Ary Barroso, apresentador do mais famoso programa do gênero. Tinha passado o dia todo ensaiando uma canção do próprio Ary e quando chegou a vez de cantar, cadê que a letra vinha? Não teve dúvidas...sobre a melodia decorada, foi colocando letra e fez a maior salada. Digamos que produziu uma parceria não autorizada.

Durante este tempo cantava em Dancings e gafieiras, como crooner de pequenas orquestras. Em 1949 teve uma oportunidade de ouro - e bem aproveitada - para ter visibilidade, ao substituir o cantor Francisco Alves , num concurso de sambas para o Carnaval, ocorrido no Teatro João Caetano. O samba era "Maior é Deus", de  Gilberto Martins e lhe valeu o primeiro lugar e um contrato com a gravadora Odeon, para  o seu primeiro disco.

O sucesso foi crescendo até ser convidado, já em 1952, por Severino Araújo, para integrar, como crooner,  a Orquestra Tabajara, que faria uma excursão a Europa, participando de um evento na França. E Jamelão, que nem sequer conhecia quase nada do Brasil, já estava cantando em Paris, é mole? Pouco depois trocou a Odeon pela Continental e gravou grandes sucessos como "Leviana" (Zé Keti e Armando Reis) e "Folha Morta" (Ari Barroso).



Os grandes sucessos foram se repetindo com o passar dos anos e as gravações inesquecíveis das canções românticas de Lupicínio Rodrigues, tornaram-se uma marca do grande Jamelão. Creio que este ciclo foi inaugurado com o samba-canção "Ela disse-me assim"
.


Enquanto muitos chamavam os sambas-canções que cantava de "músicas de dor de cotovelo", ele fazia questão de registrar que eram canções apenas românticas. E foi assim que tornou-se ainda mais conhecido no gênero, obtendo muito sucesso com as gravações de "Matriz ou filial" de Lúcio Cardim, "Esses Moços" e "Quem há de dizer", ambas de Lupicínio Rodrigues, "Molambo", de Jaime Florence e Augusto Mesquita e "Castigo", de Dolores Duram. 

Outros grandes sambas viraram sucesso em sua voz. De sua autoria  podemos citar "Esta Melodia", em parceria com Bubu da Portela; "Eu agora sou feliz", parceria com Mestre Gato; "Quem samba fica", dele e de Tião Motorista. Gosto de lembrar uma passagem contada pelo extraordinário Nélson Sargento, sobre o samba "Cântico à Natureza" que praticamente tornou-o conhecido no mundo do samba. Todos conhecem Nélson Sargento por conta do samba "Primavera" e que era um bem grave, cadenciado e que , por sugestão de Jamelão, foi alterado para um  refrão pra cima, vigoroso, e acabou vencendo o concurso de samba-enredo e representou a Mangueira no carnaval de 1955.


O envolvimento e a empatia de Jamelão com a Mangueira é total. Foi seu intérprete por muitos e muitos anos e tornou esta função nos desfiles, de suma importância. Mas alto lá, não vão chamar o cantor de samba-enredo na avenida de "puxador de samba"...ao menos na frente de Jamelão...ele virava uma fera. De temperamento difícil, não gostava de ser importunado e nem de tirar fotos. Muitas vezes, contou uma vez Chico Buarque, ele fingia que estava dormindo só pra não aturar papo furado...Graças a Deus viveu por bastante tempo e deixou um exemplo de amor a sua Mangueira e valorizou a função de intérprete na avenida.


É isso aí...o grande Jamelão que faleceu em junho de 2008, já com 95 anos, deixa muita saudade em todo o mundo do samba. 

7 comentários:

  1. Grande Caldas

    Eu estava sentindo falta do SAMBABOOK. Já fazia um tempinho que não tínhamos uma nova história. Mas toda esta espera foi justificada.
    Que retorno ... Grande Jamelão.
    Eu conheci o Jamelão através da interpretação dos sambas do Lupicínio Rodrigues. O Jamelão era conhecido em Porto Alegre como a maior cantor "da noite" do Brasil.
    O curioso no meu caso é que embora eu desde cedo tive uma simpatia pela Mangueira, nunca tinha me ligado que ele era intérprete dos Sambas Enredos da Escola.E se não me engano o Jamelão foi intérprete da Mangueira de 1950 a 2006.
    Mas em 1987, morando no Rio, o meu tio me levou para desfilar na Mangueira e aí, mais ligado as coisas da escola eu "descobri" com alguns anos de atraso,o Jamelão como intérprete.
    Bem, nem precisa dizer que o enredo deste ano foi O Reino da Palavras de Carlos Drumond de Andrade, o desfile foi maravilhoso, e a Mangueira foi campeã.
    Agradeço muito ao meu tio, o mesmo que me levou na Igreja da Penha, e me vestiu de índio para brincar o carnaval num bloco em Ramos... mas aí é outra história.

    Paulo Malela

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    1. Meu caro Paulo,
      O Jamelão tem tanta história que ainda acho que vai rolar mais uma postagem. Fico com pena de que nós esqueçamos tão rapidamente de grandes sambistas como ele. Seu comentário é combustível de minha tarefa. E as suas histórias ligadas ao tema , muito interessam a todos nós envolvidos com o Sambabook. Grato mais uma vez pelas palavras e pela participação. Abração irmão!

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  2. Parabéns Claudio!!!

    Mais uma vez vez registro minha enorme admiração por seu, tão
    importante, trabalho.


    Valeu irmão!!!!


    Grande Abraço.

    Flávio Thadeu

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    1. Flavinho, fico com uma a saudade imensa de vocês aí no Rio e sinto-me super agradecido de sua manifestação no Sambabook. Que bom ter comentários de gente interessada no tema. Nosso Zé Bispo tinha um amor imenso por nossa cidade e pela sua Mangueira e dedicou toda uma carreira pela boa música, dando inclusive luz a outro grande sambista, gaúcho, mas que sabia tudo de samba , que foi Lupicínio. Qualquer dia este outro também estar´por cá com suas histórias. Abração e grato irmão!

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  3. Gostaria de saber a reação do Ary Barroso ao ver a letra de uma de suas músicas ser modificada por um calouro. Teria o Jamelão sido gongado? Pois se o caso é temperamento difícil, o Ary não ficava nem um pouco atrás do Jamelão, ele não tinha qualquer receio de espinafrar um calouro que ousasse desagradá-lo.

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    1. João,
      Os livros e textos que falam do Jamelão não citam o que rolou. Mas o próprio Jamelão , numa entrevista diz que foi gongado. No livro do Sérgio Cabral sobre o Ary, lembro de ter lido episódios em que o Ary Barroso lamentava a "cara-de-pau" de alguns calouros.

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  4. Cláudio, só agora tive a oportunidade de ver. Matéria maravilhosa, grato novamente por mais esses ensinamentos da história de nosso samba. Abração, Tani.

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