Meu caro leitor, estou feliz da vida! Chegou aqui em casa, na semana passada, um exemplar do "Cancioneiro Comentado de Wilson Baptista", um muito recentemente lançado livro que contém 105 partituras cifradas da obra do grande sambista. Trata-se de um trabalho primoroso do multi-artista Rodrigo Alzuguir, que acha graça quando eu chamo o seu livro de "Songbook do Wilson Baptista". Mas o apelido é pertinente, gente! Olha só que belezura de capa e de contracapa
Além das partituras cifradas o livro traz também um perfil biográfico do sambista, que responde, em grande parte, a um questionamento antigo meu, sobre o esquecimento deste gênio do samba. Parece que encontramos a resposta no fato de Wilson não ter tido grandes preocupações consigo mesmo, com sua saúde, seu futuro e também a ver com o tempo, a época, em que faleceu. Foi em 1968, quando aquela onda de revalorização de sambas e de velhos sambistas ainda não tinha ocorrido. No início dos anos 70 é que viraram moda e até mesmo cult, os sambas de Adoniran Barbosa, de Cartola, de Nélson Cavaquinho, Ismael Silva, e outros...Mas em 1968, o pessoal estava ligado mesmo era nos efeitos do Golpe Militar, em como acabar com aquele tempo de exceção política. Deu azar portanto o nosso Wilson Baptista.
O principal adversário dele era ele mesmo. A sua forma de levar a vida, bem desleixada, na boêmia e vivendo da venda imediata de seus sambas, ou parte deles, em parceria, não dando atenção ao fato de que, além do dia de hoje, sempre haverá o de amanhã. Assim, diferentemente do que fizeram tantos outros compositores que, além da atividade musical, sempre tiveram alguma outra atividade profissional ou burocrática paralela, Wilson insistia em viver apenas da música. A primeira vez que chamou a atenção da rapaziada que gostava e entendia de samba, talvez tenha sido com "Lenço no Pescoço", que Sílvio Caldas gravou em 1933.
Pesquisando aqui e acolá, topo com livros que registram a época de ouro do rádio e da nossa música, entre os anos 30 e 50 do século XX, e vejo referências várias a cantores e compositores que tinham empregos e bicos, ora integrando os castings das rádios, das orquestras ou mesmo tendo empregos formais...e ele? Acreditava e vivia de seu samba, mesmo sofrendo um deslavado preconceito, sempre sendo chamado de vagabundo. Ele só não tinha um trabalho formal.
Tudo bem. Sejamos justos em fazer uma breve ressalva. Entre 1936 e 1937, Wilson formou uma dupla de cantores com Erasmo Silva, na Orquestra "Os Almirantes Jonas" que os levou a ficar fora do Rio de Janeiro, excursionando durante dois anos pela Argentina e sul do Brasil. Fixaram-se até um tempo em programas de rádio nas emissoras Record e Tupi de São Paulo. Eram a dupla "Verde Amarelo", que se vestia de uma forma meio ridícula, o que muito aborrecia o vaidoso Wilson Baptista. Durou apenas estes dois anos. Erasmo bem que gostaria de continuar, mas não aguentava muito o jeito como gostava de viver o seu parceiro de voz. Sempre em busca dos bares e cabarés, da noite, apesar de não gostar de se embebedar. Erasmo também achava estranho que o Wilson compusesse belos sambas e entregasse a obra a outros cantores. Deu briga e se separaram.
A dupla verde e amarela: Erasmo e Wilson |
Wilson gostava era mesmo da night carioca. Aquele submundo da Lapa, das dançarinas de cabaré, era a sua "praia". Era de onde tirava inspiração e tão bem realizava suas crônicas em forma de canção. Conhecia de muito perto a realidade e os dramas daquelas mulheres sofridas e descrevia como poucos os seus sentimentos. Aliás, foi quem, muito antes de Chico Buarque, fez sambas na voz feminina, do sentimento das mulheres. São muitos os sambas que comprovam este "incorporar" feminino de sua lavra. Um bom exemplo é "Boca de siri", que pede que ninguém conte a farra da moça pra seu moreno. Ouçamos a versão que Cristina Buarque gravou.
Araci de Almeida gravou em 1944 "Sambei 24 horas", uma parceria de Wilson com Haroldo Lobo e que é outro belo exemplo de samba na primeira pessoa feminina.
Wilson pretendia escrever um livro de memórias, que ele chamaria de "Café Nice"...nossa!!! Ia ser um baita registro de uma vida tão intensa. Tenho comigo o prólogo escrito ainda em 1964. Vejam:
Araci de Almeida gravou em 1944 "Sambei 24 horas", uma parceria de Wilson com Haroldo Lobo e que é outro belo exemplo de samba na primeira pessoa feminina.
Wilson pretendia escrever um livro de memórias, que ele chamaria de "Café Nice"...nossa!!! Ia ser um baita registro de uma vida tão intensa. Tenho comigo o prólogo escrito ainda em 1964. Vejam:
“Por ser com a palavra prólogo que os mestres escritores começam as suas obras, eu também usarei prólogo. Sambista, aspiro escrever minhas memórias. Os amigos que me deram o prazer do feliz contato, ficarão sabendo que não irão ler nenhuma obra-prima, mas apenas anotações de um compositor que faz um esforço tremendo para botar nestas linhas o que conseguiu ver e guardar na memória, durante anos no rádio, os episódios mais marcantes.
De fato, vi muita coisa, seu crescimento, suas diabruras e até sua maioridade. Depois de muitas pesquisas e perguntas se valia a pena ser escritor ou não, se valia a pena escrever essas memórias, o lado sim venceu o lado não. Então, depois de compor mais de 720 músicas, letras e músicas, com parceiros e sem parceiros, gravado pela maioria dos nossos melhores cantores, com mais de um terço dessas músicas fazendo sucesso, cantadas em todo o Brasil e algumas no estrangeiro, vivendo exclusivamente de direitos autorais dessas músicas, e já tendo sido cantor com disco gravado, trabalhando em emissoras e conhecendo todas as atividades da música popular durante muitos anos, tento contar aos amigos o que vi por dentro e por fora dos bastidores, como nascem os grandes sucessos, como viviam seus autores, quem foram seus intérpretes, como apareceram, o que pretendiam, o que conseguiram, suas lutas.
Não acho que mereço ser criticado como escritor, pois no momento não me julgo como tal. Depois de muitas lutas – se devia ou não –, numa tarde em Sepetiba dou a primeira canetada no meu samba mais difícil até hoje. Que me ajude o vento, o mar, o sol – frágil nesse mês de junho –, que me ajude Deus.
Por ter sido ali na Avenida Rio Branco, anos atrás, no modesto café de cinco portas, com cadeiras e mesinhas de vime do lado de fora, com cocos verdes no chão e ao seu redor, que todos nós do rádio tivemos nossos primeiros sonhos, dou a essas memórias o seu nome: Café Nice.
Sepetiba (RJ), 3 de junho de 1964.
De fato, vi muita coisa, seu crescimento, suas diabruras e até sua maioridade. Depois de muitas pesquisas e perguntas se valia a pena ser escritor ou não, se valia a pena escrever essas memórias, o lado sim venceu o lado não. Então, depois de compor mais de 720 músicas, letras e músicas, com parceiros e sem parceiros, gravado pela maioria dos nossos melhores cantores, com mais de um terço dessas músicas fazendo sucesso, cantadas em todo o Brasil e algumas no estrangeiro, vivendo exclusivamente de direitos autorais dessas músicas, e já tendo sido cantor com disco gravado, trabalhando em emissoras e conhecendo todas as atividades da música popular durante muitos anos, tento contar aos amigos o que vi por dentro e por fora dos bastidores, como nascem os grandes sucessos, como viviam seus autores, quem foram seus intérpretes, como apareceram, o que pretendiam, o que conseguiram, suas lutas.
Não acho que mereço ser criticado como escritor, pois no momento não me julgo como tal. Depois de muitas lutas – se devia ou não –, numa tarde em Sepetiba dou a primeira canetada no meu samba mais difícil até hoje. Que me ajude o vento, o mar, o sol – frágil nesse mês de junho –, que me ajude Deus.
Por ter sido ali na Avenida Rio Branco, anos atrás, no modesto café de cinco portas, com cadeiras e mesinhas de vime do lado de fora, com cocos verdes no chão e ao seu redor, que todos nós do rádio tivemos nossos primeiros sonhos, dou a essas memórias o seu nome: Café Nice.
Sepetiba (RJ), 3 de junho de 1964.
Este foi Wilson Baptista. Você deve sempre querer saber mais sobre ele, conhecer seus belíssimos sambas e, desta forma, fazer justiça àquele que foi, na opinião de Paulinho da Viola, o maior de todos.
O Cancioneiro já está à venda nas lojas. Mas quem quiser fazer como eu, pode encomendá-lo através da fan page do Projeto no Facebook, cujo endereço é https://www.facebook.com/WilsonBaptista100Anos . Melhor ainda pra quem estiver no Rio que poderá ir assistir ao espetáculo "O Samba Carioca de Wilson Baptista", que está em cartaz no Casarão Ameno Resedá, às sextas e sábados, às 21h, onde também é vendido o livro.
Um abraço e até a próxima.
O Cancioneiro já está à venda nas lojas. Mas quem quiser fazer como eu, pode encomendá-lo através da fan page do Projeto no Facebook, cujo endereço é https://www.facebook.com/WilsonBaptista100Anos . Melhor ainda pra quem estiver no Rio que poderá ir assistir ao espetáculo "O Samba Carioca de Wilson Baptista", que está em cartaz no Casarão Ameno Resedá, às sextas e sábados, às 21h, onde também é vendido o livro.
Um abraço e até a próxima.
O Tio Sam está querendo conhecer a nossa batucada... (como diria Assis Valente), até mesmo dentro da academia, como digo eu, após ler uma resenha na Carta Capital. O brasilianista estadunidense Marc Hertzman lançou “Making samba: a new history of race and music in Brazil”, editado pela Universidade Duke. Hertzman é professor da Universidade Columbia, em Nova York, e no livro tece considerações sobre a má remuneração dos compositores populares brasileiros, o que poderia servir de material na busca da resposta à pergunta do Cláudio. O americano também discorda da tese de Hermano Vianna, quanto à perseguição policial do samba – questão na qual sou obrigado a concordar com o gringo.
ResponderExcluirJoão, grato mais uma vez pelo comentário. E que bom que mais pessoas estejam se interessando pelo assunto. Desde já vamos encomendar o livro do professor. Conto com a sua colaboração na tradução do mesmo. Abração
ExcluirRecebo uma mensagem, via facebook, que muito honra o blogue. Ela é do autor do projeto e do livro Cancioneiro de Wilson Batista. Diz ele:
ResponderExcluir"Ô Claudio, que beleza a postagem! Fiquei feliz paca. Queridão, o cancioneiro já deve estar disponível nas livrarias, mas pode ser encomendado diretamente da gente, na fanpage dos 100 anos, ou comprado nas apresentações do espetáculo "O samba carioca de Wilson Baptista", que está no Casarão Ameno Resedá, aqui no Rio, até 17/08, às sextas e sábados, às 21h. Se precisar de mais alguma informação, me fale!
Muitíssimo obrigado pela divulgação, cumpade! Unidos venceremos!!!
Rodrigo,
ExcluirDeixar feliz quem vem lutando tanto pela memória de Wilson Baptista e produzindo vários materiais (cd duplo, espetáculos, o "Songbook" e a biografia que está por sair) é motivo de muito orgulho pra mim. Grato pela visita, pelas palavras e volte sempre!
Um super abraço meu camarada!
A amiga Dalila Weiss me deixa muito feliz com sua mensagem, encaminhada via e-mail.
ResponderExcluir"OI Caldas,
Foi bom conhecer um pouco sôbre o compositor e cantor Wilson Baptista. Obrigada pelas informações! Ainda bem que ele viveu naquela época, pois se fosse nos dias atuais poderia ter sido Hip Hop ou Rap.
Sou mais o samba.
Ah, tambem gostei do "SongBook".
Um abraço
Dalila
Que ler suas palavras Dalila. Grato pela visita e volte sempre!
ExcluirAbraços saudosos!
Bom dia! Quais as músicas que tem nesse livro?
ResponderExcluirElas estão cifradas para violão?