quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Vamos falar de Maxixe?

Falar do maxixe é tarefa um pouco complexa. Mas, instigado por alguns dos meus leitores, pus-me a recolher, aqui e ali, vídeos, textos e capítulos da minha pequena biblioteca sobre o tema. Mas como diz um dos amigos e leitores frequentes, é sempre uma diversão. Mais que diversão, já disse aqui mesmo no blogue, tenho como missão dar luz a estas histórias do choro e do samba e motivar meus leitores ao conhecimento. E o maxixe tem muita ligação com o samba. Vejamos.

Para começar, registro algumas definições. O conhecido pesquisador José Ramos Tinhorão, por exemplo, diz que o maxixe desenvolveu-se a partir do momento em que a polca, gênero musical de origem europeia e tocado nos salões da corte imperial e da alta classe média carioca, sempre ao piano, passou a ser tocada por músicos populares chamados de chorões, com a utilização de flauta, violão e oficlide, que costumavam animar festas em casas populares, em meio a valsas e mazurcas. Já Renato de Almeida, autor do livro "História da Música Popular Brasileira, sugere que o maxixe seria "uma adaptação de elementos que se fixaram num tipo novo de dança popular, com uma coreografia cheia de movimentos requebrados e violentos, muitos deles tomados de empréstimo ao batuque e ao lundu". Para Mário de Andrade, que também muito pesquisou sobre as primeiras manifestações musicais brasileiras, o maxixe teria nascido a partir da fusão do tango brasileiro e da habaneira, com a rítmica da polca, tendo ainda uma adaptação da síncope afro-lusitana.

Por estes registros, podemos afirmar que o maxixe surgiu da mistura de diversos ritmos e que ganhou notoriedade no seio popular, como uma dança, nas festas do pessoal que residia na Cidade Nova, e nos salões dos cabarés do bairro da Lapa, no Rio de Janeiro. Creio que a polca virou maxixe, via lundu, dançado e cantado, tocado pelo pessoal dos primórdios do choro, caindo nas graças, inicialmente dos dançarinos das festas da Cidade Nova para, em seguida, espalhar-se pelas demais classes de todo o Rio de Janeiro.

Ao que parece,  a primeira apresentação do maxixe em palcos de teatro da cidade do Rio de Janeiro ocorreu em 1883, quando o ator Francisco Correia Vasques apresentou o espetáculo "Aí, Caradura!", cuja maior atração eram os trechos cantados e dançados de maxixes. E a moda pegou...daí então, alguns compositores passaram a produzir um tipo de música própria para o gosto de quem desejava dançar aquele ritmo, com letras descontraídas. 


Jocotó de Roque  V. Vieira




Jairo Severiano registra que o maxixe começou como dança. Jota Efegê, autor do livro "Maxixe: a dança excomungada", realizou talvez a maior pesquisa em jornais e revistas da época, desde 1870 para nos ajudar a entender como esta dança se tornou um gênero musical de sucesso estrondoso, e não só no Brasil. De início, os requebros sensuais e as coreografias eram dançadas ao som das habaneras e das polcas. Aos poucos os músicos submeteram estes ritmos a uma intensa sincopação,  que acabou por transformá-los no maxixe, como gênero musical. Em 1883, num chamamento para um baile do famoso Clube Democráticos, era assim anunciado: "Cessa tudo quanto a musa antiga canta  / Que no Castelo este brado se levanta / Caia tudo no maxixe, na folgança / Que com isso dareis gosto a Sancho-Pança". Castelo era o apelido do clube e Sancho-Pança o de seu secretário.

O maxixe então já "bombava" nos teatros do Rio na virada do século  XIX para o século XX,  e também começou a fazer sucesso na Europa, levado pelo baiano Antônio Lopes de Amorim Diniz, mais conhecido por "Duque", que era dentista no Brasil e virou dançarino em Paris, meio que por acaso. Um dia saiu na noite parisiense para se divertir com a atriz Maria Lino, que visitava a cidade e, já conhecedores do maxixe, dançaram primorosamente tudo que tocava com os passos do maxixe. O sucesso foi tanto que ele abriu uma escola de dança e ficou por lá ensinando. Os rudes passos levados pelo pessoal da Cidade Nova agora eram estilizados por Duque que levou o maxixe aos grandes e elegantes salões parisienses.

Em 1924, Romeu Silva fez sucesso com o maxixe "Fubá", de sua autoria, composto a partir de motivo popular, registrado como samba, mas era maxixe puro.

Nesse ano, atestando o sucesso popular do maxixe, o Jornal do Brasil publicava a seguinte nota:
"O maxixe - As pessoas habituadas a freqüentar festas sabem que há um verdadeiro delírio em certas danças contemporâneas. Aquela medida polida, aquela graça requintada, dos antigos passos, está irremediavelmente perdida. Hoje, tudo é delírio, é frenesi. No mundo inteiro, notam-se estas manifestações de dança. No Brasil, entretanto, a verificação é mais fácil de se fazer do que em qualquer outra parte. Por que? Porque nenhuma dança poderá revelar tanto quanto o maxixe essa verdadeira alucinação que se apossa do instinto dançante da humanidade, hoje em dia".

Considero Chiquinha Gonzaga uma maxixeira de primeira, embora várias de suas obras tenham sido registradas como sendo dos mais variados gêneros: corta-jaca, tango brasileiro, polca... mas cá pra nós, "Gaúcho", uma de suas peças mais populares é um maxixe...e "Não se impressione", mais conhecido como Forrobodó, também é maxixe. Mas naquela época os compositores como Donga, Sinhô e outros levavam seus maxixes por aí como sendo sambas. Foi a tônica dos  anos 1920. Obras como " Pelo Telefone", "Gosto que me enrosco", "Jura" e outras representaram bem esta fase do maxixe disfarçado de samba.


Não dá pra deixar de reconhecer que o maxixe é o parente mais próximo do samba. Foi o que abriu portas para o samba, depois, deliciosamente, modificado pela turma do Estácio.

É isso aí. Deixe seu comentário e siga o blogue! Seja curioso e busque saber mais sobre o maxixe. Um abraço e até a próxima.




5 comentários:

  1. A mistura da melodia europeia com o ritmo africano, que abençoadamente ocorreu em terras americanas (e falo aqui da América original, a única visitada pelo Américo Vespúcio, a América do Sul) é um processo longo e que envolve muitos elementos - por isso mesmo incapaz de esgotar o interesse que desperta.
    Não podemos esquecer que o elemento europeu - no caso, português - já veio de lá meio africanizado, uma vez que o mouros, que por muito tempo dominaram os ibéricos, saíram do norte da África. Depois disso, as constantes andanças dos lusíadas entre o Brasil e a África (raramente bem intencionadas) garantiram a efervescência do processo. Nem o chato do Tinhorão, nem o enrustido Mário de Andrade, nem ninguém poderá dizer exatamente tudo o que se passou, mas especular sobre o assunto é sempre divertido. De preferência ouvindo a resultante musical do furdúncio.

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  2. Antes de qualquer comentário vou ao Google para saber o que é "oficlide" (desculpe a ignorância), quanto ao texto e as músicas são uma aula de "Maxixe" primorosa. Um abraço do velho Joel.

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    1. Amigo querido, a falha é do blogueiro que deveria ter explicado no texto o que venha a ser o ofocleide. Um instrumento de sopro muito utilizado pelos chorões da época, o figle, solava as melodias armonizdas pelos violões. abração e grato pela visita

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