O Garoto a que me refiro chama-se Aníbal Augusto Sardinha. Um paulista nascido em 1915, filho de portugueses, criado numa família super musical, entre pai, tios e irmãos, vários instrumentistas, o que despertou, desde muito cedo, a paixão pelos instrumentos de corda. Logo na infância, estudou música e se apaixonou pela obra de Ernesto Nazareth. Jorge Mello, autor do livro "Gente Humilde, Vida e música de Garoto", conta que , ainda muito menino, numa aula de religião, o seu professor falou pra turma: "Houve um homem, extraordinariamente dotado, que foi enviado por Deus à Terra! Logo ficou conhecido como Jesus de Nazaré". O professor, vendo que Garoto estava em outro mundo, sem prestar atenção no que ele dizia, perguntou: Aníbal, qual foi o homem extraordinariamente dotado que Deus enviou a Terra?" E Garoto respondeu de pronto: "Foi Ernesto Nazareth."
Com apenas 11 anos, Garoto apareceu no cenário musical tocando banjo e violão num regional. E já no ano seguinte integraria o conjunto de seu irmão Inocêncio, o Conjunto dos Sócios, que apresentava peças de jazz, onde já era chamado de "Moleque do Banjo". Em 1928 participa das apresentações musicais do Salão do Automóvel, promovido pela General Motors, convidado por Canhoto, considerado o mais importante músico paulista da época. Desde então não parou mais de integrar diversos grupos musicais e com o conjunto "Verde-Amarelo", ao lado de Paraguaçu, participa de sua primeira gravação em disco, sob a direção do maestro Francisco Mignone. São os maxixes "Bichinho de Queijo" e "Driblando", ambos de sua autoria, onde faz os solos no banjo. Que menino precoce!
Garoto não tinha mais tempo pra nada e fez suas primeiras excursões com os grupos musicais pelo interior de São Paulo, onde se apresentava não só no banjo. Assim, ia se tornando um multi-instrumentista. Em pouco tempo já tocava, além do banjo que lhe valeu o apelido de "Garoto do Banjo", violão, cavaquinho e bandolim.
Em 1931 começou a atuar em rádios, iniciando pela Educadora Paulista, e passando para a Rádio Cosmos, convidado que foi por Jaime Redondo, para integrar o Regional da emissora que contava também com Aimoré, Atílio, Pingo e Petit. Foi nesta época, que mudou seu apelido, passando a ser conhecido artisticamente como Garoto. Em 1934, com apenas 14 anos, compôs o choro "Quinze de Julho". Vamos ouvir? Poly é quem o interpreta neste vídeo que achei.
Nesta fase das rádios em São Paulo, passou a ser conhecido de muitos cantores e artistas, que se espantavam com sua versatilidade e excelência na execução de tantos instrumentos. Daí para os discos foi um pulo. Todos queriam Garoto acompanhando e fazendo solos em suas gravações, pelo capricho e criatividade nos arranjos e impecável execução.
Em 1936, um grupo de artistas que atuava no Rio, foi a São Paulo para uma apresentação no Teatro Santanna. Eram grandes e já conhecidos nomes do rádio carioca. Silvio Caldas, Nonô, Luís Barbosa e Araci de Almeida. No ensaio, entre os instrumentistas que iriam acompanhar os astros, estava Garoto, ao lado daquele monte de instrumentos e Silvio Caldas comentou com um outro amigo: "Será que ele toca isto tudo?". Provocado, Garoto foi começando a solar várias peças, primeiro no cavaquinho, depois no bandolim e na guitarra havaiana. Finalizou com o violão tenor, impressionando a todos os presentes que não o conheciam ainda. E assim, Garoto e Aimoré foram convidados a integrar o grupo carioca que depois se apresentou em Santos. Da apresentação, surgiu o convite para irem ao Rio fazer uns trabalhos na Rádio Mayrink Veiga. Este degrau impulsionou de vez a carreira de Garoto, que logo gravou, como solista, de sua autoria, "Dolente", atuando na guitarra havaiana. Ouçamos a gravação original, de 1936.
A temporada no Rio durou meses, sempre atuando na Rádio Mayrink Veiga e participando de toda a programação musical da emissora. Lá conheceu Laurindo de Almeida e Gastão Bueno Lobo, segundo Pixinguinha, o introdutor do Banjo no Brasil. Este tempo no Rio rendeu a Garoto muitos contatos e chamadas para se apresentar e para participar de gravações.
De volta a São Paulo, nosso gênio das cordas foi contratado pela Rádio Cruzeiro do Sul, cuja direção musical estava entregue ao maestro Gaó, um excelente arranjador que montou, para a emissora, a Orquestra Columbia, onde Garoto atuou. Nela Garoto era o responsável por tocar todos os instrumentos de corda, inclusive violino, aumentando ainda mais o leque de instrumentos que dominava.
Ainda morando em São Paulo, participou das gravações de vários sambas cantados por Moreira da Silva, pela gravadora Colúmbia, como "Não sou mais aquele" e "Meu sofrimento". Começou, neste mesmo ano de 1938, a formar um duo com Laurindo de Almeida, que tocava o violão de seis cordas e com Garoto no violão tenor, já um modelo dinâmico, fabricado pela conceituada Del Vecchio. Com Laurindo também acompanhou Carmen Miranda na gravação de "Mulato antimetropolitano" e "Você nasceu pra ser grã-fina". Os chamados para as gravações se sucederam. Gravou com Jararaca e participou das históricas gravações de sucesso de Ary Barroso, tais como " Sem ela", Tabuleiro da Baiana", "Na baixa do Sapateiro" e "Boneca de piche"...nosso Garoto estava em todas.
Difícil entender como um instrumentista desta envergadura não tenha um reconhecimento como um dos maiores que já tivemos. Hoje é raro ouvirmos falar dele. E como compositor ele é, a meu ver, ainda mais importante. Suas canções foram as primeiras a utilizar harmonias com acordes dissonantes, tão precisas, lindas e tão adequadamente colocadas, que não tenho dúvida em registrar que inspirou a bossa nova.
Sobre Garoto ainda há muito o que dizer. Garoto não cabe numa só postagem. Na semana que vem vou contar mais sobre ele, e de como ele foi parar nos Estados Unidos, integrando o Bando da Lua, que acompanhou Carmen Miranda por lá.
Um abraço e até a próxima. Fique à vontade para comentar.
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