quarta-feira, 25 de setembro de 2013

O Malandro: uma figura criada pelos sambistas



Não há como dizer o contrário. O vocábulo e o significado da palavra “malandro”  está ligado intimamente  ao Rio de Janeiro e associado ao carioca em geral, embora apenas muito poucos sejam malandros. Mas afinal, leitor amigo, o que é um  malandro?


Lembro de quando cheguei a Floripa, em 1982, vindo do Rio, a  cidade onde nasci, ter ouvido de vários clientes e colegas da agência bancária onde trabalhei, quando perguntavam de onde eu vinha e dizia, a expressão: “carioca é malandro”. Compreendia e logo percebi que as pessoas faziam um  juízo equivocado de mim. É que a maioria associa o carioca a alguém que não trabalha, que não é chegado a dureza da labuta diária. Pensava então que, muito provavelmente, a imagem do malandro tinha virado um estereótipo do carioca, trazido ao conhecimento popular através do samba.


Já li em vários livros que a expressão "malandro" surgiu na primeira metade do século XX, mais exatamente na era de ouro da nossa música, do samba em especial, através do rádio, das gravações elétricas dos discos e dos jornais cariocas.


Os primeiros sambistas do Estácio e da Lapa – bairros do centro do Rio – falavam de um certo carioca, aquele meio marginalizado da sociedade, mas que usava terno branco de linho inglês, chapéu de palha, calçado branco e preto, camisas em listras horizontais coloridas, navalha no bolso, que sobrevivia às custas de algum esquema ou golpe. O jogo de cartas, a "gigolagem" (táticas de conquista baratas para usufruir dos bens e do dinheiro de mulheres em geral), pequenos estelionatos, alguma forma de ganhar dinheiro, sem grandes esforços ou em algum emprego formal, fizeram a fama deste carioca descrito nos sambas de Moreira da Silva, Wilson Baptista e Geraldo Pereira, entre outros geniais sambistas da época – anos 1930 e 1940.



Mas este mesmo tipo, no entanto, era extremamente sedutor, galante, cavalheiro e um amante dos mais desejados pelas mulheres. Vale lembrar do hino do malandro, o samba “Lenço no Pescoço”, composto por Wilson Baptista, que descreve bem melhor que eu, o tema desta postagem.

Meu chapéu do lado 
Tamanco arrastando
Lenço no pescoço
Navalha no bolso
Eu passo gingando
Provoco e desafio
Eu tenho orgulho
Em ser tão vadio


Sei que eles falam
Deste proceder
Eu vejo quem trabalha
Andar no miserê
Eu sou vadio
Porque tive inclinação
Eu me lembro era criança
Tirava samba-canção

A escritora Cláudia Matos, autora do livro "Acertei no Milhar", traça interessante caminho para mostrar como este conceito do "malandro" começou, cresceu e se cristalizou entre nós. Ela também acredita que a ideia do malandro, como temos nos dias atuais,  deve-se ao pessoal do samba, desde os que ela chama de  "primitivos", como Donga, João da Baiana, Caninha e Sinhô, passando pelos primeiros do Estácio como Bide, Marçal e Ismael Silva, e se solidificando com os bambas Wilson Baptista, Geraldo Pereira e Moreira da Silva.


 De fato Sinhô já dizia num samba que:
"A malandragem é um curso primário
 que a qualquer é bem necessário.
 É o arranco da prática da vida
 que só a  morte decide o contrário."

Chico Alves gravou, de Bide, o samba "Malandragem que dizia:
"A malandragem eu vou deixar
 Eu não quero outra vez a orgia
 Mulher do meu bem querer
 Esta vida não tem mais valia".

E assim, a figura do malandro foi sendo construída e costurada nos discos de 78 rotações. Compositores dizendo que a malandragem existia, mas querendo se regenerar, eles registram que o malandro, apaixonado, prometia abandonar aquela vida e a orgia.

As gerações foram surgindo no mundo do samba, até que chegou a vez de Wilson e Geraldo, na minha opinião, os grandes responsáveis por consolidar o estereótipo deste malandro e o seu modo de ser. A malandragem que até hoje transfere a fama a todos os nascidos no Rio.

Mas deixo meus leitores esclarecidos que a própria malandragem teve seus momentos distintos.  Considero que o Estado Novo de Getúlio Vargas naturalmente fez com que os sambistas escrevessem várias páginas na direção contrária ao da malandragem. Nesta época era negócio fazer samba que valorizasse o trabalhador...o próprio Wilson, que se orgulhava de ser vadio, mudou o rumo de sua prosa e se adequou rapidinho à nova ordem político-social, passando a escrever sambas exaltando quem trabalhava. "Bonde São Januário", parceria com Ataulfo Alves é um exemplo. Vejam o vídeo na voz de Ciro Monteiro.



E para fugir da censura e da polícia, surge um novo tipo de samba onde Wilson e Geraldo foram craques:  o samba de breque.



Por incrível que pareça, esta história do samba de breque tem muito ainda o que falar...vamos  deixar pra uma outra postagem? Mas se você quiser saber mais sobre o tema da malandragem, procure o livro da Cláudia Matos que ela dá um show de análise de muitos sambas sobre o tema. 

Abração e até a próxima.

4 comentários:

  1. Este assunto do malandro é dos mais interessantes. O carioca é tido por muita coisa que não é, e não é reconhecido por muita coisa que é. Antes de tudo é um injustiçado (veja a ditadura, a única de suas vítimas a não ser anistiada foi o Rio de Janeiro, cuja fusão com o Estado do Rio, imposta pelo Geisel, foi docemente esquecida pela Constituinte da redemocratização). Mas deixa isto pra lá.
    O caso dos malandros do samba é sintomático. Tinham, claro, uma natural inclinação pela esbórnia, mas não se pode negar a lógica de suas alegações: o pobre que trabalha honestamente consegue, mal e mal, sobreviver, jamais recebe a justa remuneração por seu trabalho, quanto mais por sua persistência e honestidade. Assim como o compositor popular jamais recebia a justa remuneração por suas obras.
    Então, a malandragem do Wilson tinha sua razão de ser. E rendeu grandes sambas...

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    1. Grato pela contribuição João. Esta época é das mais férteis pros sambistas e nem assim eles colo9caram o bi na sombra...tinha ser muito malandro pra poder sobreviver....
      um abração

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  2. Gostei muito. O carioca sempre teve fama de malandro. Mudando de um polo para o outro, quero informar que o BNDES liberou verba para recuperação de um sobrado na Rua da Carioca, onde vai funcionar a Casa do Choro.Um abraço do Joel.

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    1. Amigo Joel, fico tão lisonjeado com sua visita...que bom que gostou e ainda nos traz uma ótima notícia...o centro do Rio está preservando casarões e cultura...Casa do Choro, que já existe em Brasília há quase 40 anos e não tinha no Rio...vou conferir no futuro...grato pela visita e um abração

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