segunda-feira, 29 de abril de 2013

O instrumentista e o compositor Jacob do Bandolim

Tenho a sorte de ter leitores e amigos ligados no que escrevo. Vira e mexe recebo a colaboração de alguns de vocês, o que só enriquece e ajuda o blogue. Na última postagem, um dos meu leitores mais ilustres, nada menos que o Barão do Pandeiro, me escreveu registrando que o LP "Vibrações" não tinha sido o primeiro do grupo. E ele tem toda a razão e é hora de eu corrigir a informação. O conjunto "Época de Ouro" foi organizado por Jacob em 1966 e gravou o LP "Vibrações" em 1967. Acontece que antes, já tinha acompanhado o Jacob em dois LPs, que foram "Chorinhos e Chorões" de 1961 e "Primas e Bordões", de 1962, sem que fossem identificados no disco, como o Conjunto Época de Ouro. Mas eram os mesmos excelentes instrumentistas de choro, tendo o nosso Jacob como solista em seu bondolim.

 Separei, do LP "Chorinhos e Chorões", duas faixas pra gente ouvir aqui. Uma mostra o exímio instrumentista em "Proezas do Solon" de Pixinguinha e Benedito Lacerda e a outra, além do instrumentista, percebe-se o quanto genial era o Jacob compositor, com "Santa Morena", peça que parece música espanhola, mas é bem brazuca.







Do outro LP, o "Primas e Bordões",  convido vocês a curtirem "O voo da mosca", do Jacob também. No meio da peça a gente já começa a procurar por onde estará a tal mosca.







Um dos trabalhos mais bacanas de Jacob do Bandolim foi realizado em conjunto, não só com o "Época de Ouro", mas também com o Zimbo Trio e a Divina Elizeth Cardoso. Trata-se de um projeto de Ricardo Cravo Albim, na época diretor do Museu da Imagem e do Som, que levou para o Teatro João Caetano, no Rio, em  1968, numa noite de muita chuva, um público que aplaudiu extasiado as belíssimas interpretações, felizmente gravado ao vivo e lançado em dois LPs, que viraram um dos maiores clássicos da MPB. Jacob, que havia descoberto Elizeth em 1936, dividia o palco  e acompanhava a grande cantora em canções como "Lamento", de Pixinguinha, agora com letra de Vinícius de Moraes. Ouçamos um trecho deste histórico disco




Para finalizar e pra gente não esquecer o humor do genial Jacob, reproduzo uma história narrada pelo próprio Ricardo Cravo Albim que, numa reunião do Conselho de Música Popular, convidou-o a fazer parte da mesa como secretário-geral do encontro. Jacob envergava uma camisa listrada bem italiana, e Ricardo apresentou-o da seguinte forma ao microfone: “E agora, senhores, diretamente de Veneza, o gondoleiro Jacob del Mandolino!”. Foi o bastante pra Jacob pegar o microfone e discursar de forma irada, reafirmando que ele se orgulhava de só tocar sambas e chorinhos; que se considerava ainda mais nacionalista que o Ary Barroso; e, finalmente, ele até preferia que o chamassem de Zezinho ou Mané do Bandolim em vez do hebraico Jacob. O que tinha de genial tinha de pavio curto...

Até a próxima e um super abraço moçada!

 

terça-feira, 23 de abril de 2013

Para o "Pelé" do bandolim a perfeição era uma meta.



As histórias de hoje são de Jacob do Bandolim. Um extraordinário instrumentista. Um compositor inspiradíssimo. Um cuidadoso historiador da música. Enfim, como Pelé que nasceu depois e ficou mais conhecido que ele, eu digo que Jacob do Bandolim é um Pelé do Choro. Mas o certo mesmo era dizer que o Pelé é um Jacob do Bandolim do futebol.

E já que falamos de futebol, comecemos por registrar duas de suas composições ligadas ao tema, tendo, desde já, claro que Jacob era torcedor do Vasco da Gama, do Rio de Janeiro, onde nasceu, a 14 de fevereiro de 1918. Mas não pensem que tinha origens portuguesas. Sua mãe era uma judia polonesa refugiada da Primeira Guerra Mundial. Mas note o leitor como a guitarra portuguesa aparece logo na introdução do choro "Vascaíno", gravado em 1951.



Mas a sua paixão pelo Vasco não impediu de compor um belíssimo choro cujo título é "Ginga do Mané", homenagem deliciosa ao gênio Mané Garrincha, logo após a conquista da Copa do Mundo de 1962.


Como Pelé, Jacob teve também o seu parceiro de muitas glórias. E se o Pelé teve Coutinho pra realizar as tabelinhas inesquecíveis na área adversária, Jacob encontrou o camarada ideal para acompanhar o seu bandolim em 1939, na Rádio Ipanema. Era Benedito César Ramos de Faria, um violonista que servia ao exército no Forte de Copacabana e frequentador da Rádio Ipanema que ficava próxima, ali no Posto 6, em cima do Cassino Atlântico. Um belo dia o Jacob precisou de um violonista e chamou César Farias para um teste no terraço do prédio. Foi o bastante pra nunca mais se separem e mais tarde constituírem o Conjunto Época de Ouro, que até hoje nos brinda tocando choros, mesmo tendo já alterado sua formação tantas vezes. E César Farias, pra quem não está ligando o nome à pessoa, foi o pai de Paulinho da Viola. 


O Conjunto Época de Ouro merece uma postagem à parte. Formado inicialmente por César Farias, Carlinhos Leite (violões de 6 cordas), Dino (7 cordas), Jonas (cavaquinho) e Gilberto (pandeiro), além do seu criador e idealizador, o próprio Jacob do Bandolim, o Época de Ouro marcou nas gravações de choros dos anos 60. Escutemos "Vibrações, choro de autoria do Jacob do Bandolim, que inclusive deu nome ao primeiro LP do conjunto.


O grande maestro Radamés Gnatalli compôs "Retratos", uma suíte para bandolim, orquestra e regional, em quatro movimentos. Cada um deles homenageando um ícone da nossa música instrumental. No primeiro Pixinguinha, no segundo Nazareth, no terceiro Anacleto de Medeiros e por fim, Chiquinha Gonzaga. Pois Jacob, que sempre buscava a perfeição, estudou a peça a exaustão, ensaiou e apresentou-se no Museu de Belas Artes do Rio de Janeiro, em agosto de 1964, acompanhado da orquestra da gravadora CBS.

Todos sabemos que o Pelé com a bola nos pés sempre foi genial...mas nem sempre foi feliz ao fazer seus comentários sobre os mais diversos assuntos. Pois até nisso eu considero os dois parecidos.  Certa vez Jacob  disse que "Delicado", um popular baião de Waldir Azevedo "era um marco deteriorador da música brasileira". De outra vez disse que "a música de Waldir Azevedo era um amontoado de toleimas , de sandices". Sobre a bossa-nova, que havia entrado na moda no final do anos 50, considerava "uma tentativa de imitação do jazz, que eliminava as mais autênticas inflexões da música brasileira". Caramba, o homem não gostava de algumas das mais belas manifestações de nossa música e deixava claro.

Mas fiquemos com a maravilhosa carioquice do nosso personagem, que não bebia e nem era da "night", mas era considerado um dos maiores representantes do choro, manifestação típica do seu Rio de Janeiro. O que dizer de "Noites Cariocas"...uma das mais perfeitas traduções da cidade?


Jacob do Bandolim sofreu com seu coração. O primeiro infarte teve em 1967, logo após forte comoção, ao ser aplaudido de forma efusiva por uma platéia composta por jovens no Teatro Casa Grande. Acabara de tocar "Lamentos" de Pixinguinha e confessou o espanto emocionado em outra oportunidade: "Para mim foi uma grande felicidade ter sido aplaudido pelos cabeludos, que compreenderam a minha arte". Acabou por falecer do coração, no terceiro infarte ocorrido logo após uma visita feita a casa de Pixinguinha, em 13 de agosto de 1969.

Para saber mais e ouvir muito mais sobre Jacob do Bandolim, as melhores fontes são o livro "Jacob do Bandolim", de Ermelinda de Azevedo Paes, o sítio jacobdobandolin.com.br e "Choro, do Quintal ao Municipal", excelente livro de Henrique Cazes. Quando puder beba nestas fontes. Um abraço e até a próxima.


segunda-feira, 15 de abril de 2013

O nosso Formigão era simplesmente um abraço em toda a humanidade

Entre os grandes sambistas que completam 100 anos neste 2013 está o supersimpático Cyro Monteiro. Aquele mesmo cuja marca registrada era uma caixinha de fósforo, na qual ele fazia a batida do samba que cantava, sempre com aquele sorriso no rosto. Sua maneira de cantar era totalmente diferente dos demais cantores da era do rádio. Era um encaixe perfeito para o samba sincopado de Geraldo Pereira, de quem foi grande intérprete.

Ora vejam só com que samba ele começou a carreira, faixa gravada em 1938...


 "Se acaso você chegasse", de Lupicínio Rodrigues e Felisberto Martins, ele considerava como um Hino Nacional, pois foi a partir desta gravação que as coisas começaram a acontecer de verdade pra ele. Antes, participara apenas de alguns programas de rádio e de gravações, engrossando o coro de outros intérpretes. Lembro por exemplo que também participou da gravação de "Mamãe eu quero", sucesso de carnaval de Jararaca e Vicente Paiva.

Por conta do retumbante sucesso da música de Lupicínio, gravou em seguida outro samba que também virou clássico: "Ah Seu Oscar", da dupla Ataulfo Alves e Wilson Baptista. E em pouco tempo tornava outra bela obra da mesma dupla um dos grandes sucessos do rádio: "O Bonde de São Januário". Era o cantor perfeito para este tipo de samba, bem carioca, que pede um gingado, uma malandragem na interpretação.

Pedro Caetano fez um samba-choro maravilhoso que também pedia a voz do Formigão. Era "Botões de Laranjeira" que, curiosamente, foi censurada porque citava nominalmente uma criança. Maria Madalena de Assunção Pereira na letra,  virou "dos Anzóis Pereira", por sugestão do radialista César Ladeira e pode, assim,  ser gravada. Ouçam esta gravação do Cyro, acompanhado do Regional de Benedicto Lacerda.

 
Muitos são os sambas que ficaram conhecidos em gravações feitas por Cyro Monteiro. Conhecemos hoje vários chamados "clássicos" cuja primeira gravação foi feita por este suburbano carioca, mas criado em Niterói, que só entrou pra vida artística por conta de uma necessidade. Silvio Caldas, que não é meu parente, cantava em dupla com Luis Barbosa num programa de rádio de que o Cyro não perdia uma edição. Sabia todas as canções...quando num dia faltou o Luis Barbosa, o Sílvio passou na casa do Cyro e o levou pro rádio. Deu certo...

Os sucessos foram acontecendo. "Beija-me", um sambaço do Roberto Martins e Mário Rossi, foi um estrondo em 1943. Também foi ele um dos primeiros a gravar Nélson Cavaquinho, com o samba "Apresenta-me aquela mulher". Também do mestre Nélson Cavaquinho gravaria mais tarde "Rugas".  O que dizer dos sucessos de "Escurinho" e "Falsa Baiana", de Geraldo Pereira? Taí uma gravação que  conta também com Jorge Veiga. Ouça :

 
Não podemos esquecer que Cyro Monteiro também compunha. Dias da Cruz foi um dos parceiros mais constantes e co-autor de "Madame Fulano de Tal", que eu creio tenha sido o de maior sucesso. Lembro de ele ter cantado uma vez na TV, no programa "Noite de Gala", talvez ali pelos anos 60...Mas o LP que ficou mais na minha memória foi um dele cantando sambas de Vinícius e de Baden. Agora relendo os livros, vi que o disco é de 1965. Ficamos sabendo, através deste disco, da existência de maravilhas como "Formosa", "O Astronauta", "Amei Tanto" e outros belos sambas da dupla Baden e Vinícius.

Vinícius, aliás,  foi um  dos seus maiores admiradores. Se o apelido "Formigão" lhe foi dado pelo compositor Eratóstenes Frazão, não se sabe bem ao certo quem o chamou pela primeira vez de "O cantor das mil e uma fãs". Mas foi Vinícius quem disse que Cyro Monteiro era um abraço em toda a humanidade, tamanha a sua camaradagem, a sua amizade com todo mundo e extrema simpatia. Mas o que tinha de simpatia, lhe faltava na coragem para viagens de avião.

Certa vez, num voo da ponte aérea Rio-São Paulo, Borjalo, que trabalhava na Rede Globo de Televisão, ouviu um resmungar, uma reza para um tal de São Andreato, proferida por Cyro Monteiro: "Meu São Andreato, protegei o comandante e toda a tripulação desta aeronave". Indagado pela aeromoça sobre que santo era aquele, ele disse: " São Andreato nasceu em Lisboa em 1402. Não é muito divulgado e, portanto, me agarro a ele, pois sendo tão desocupado tem bastante tempo pra me atender. Eu sei que São Andreatto está doido para se promover fazendo um milagre. A chance é essa."

Grande cantor, grande sambista, flamenguista como eu, torço para que o nosso Formigão tenha neste ano, quando, em 28 de maio próximo, completaria seu centenário, as merecidas homenagens e lembranças. Tem um samba maravilhoso do Wilson das Neves e do Paulo César Pinheiro que presta uma honraria bem humorada  como ele era. Chama-se "Um samba pro Ciro Monteiro" e termino disponibilizando esta faixa pra você ouvir e curtir, na voz do próprio imperiano Wilson das Neves e do saudoso João Nogueira. Até a próxima!
 
 

segunda-feira, 8 de abril de 2013

O Santo tem muitos devotos

Quando escrevi sobre Pixinguinha já imaginava que a audiência seria grande. Era esperado...mas o que rolou de e-mail e de sugestão sobre o santo foi tanto que vale a pena dar um pouco mais de continuidade ao assunto.

Um amigo me perguntou sobre  a letra de Rosa e algo mais sobre o compositor Otávio de Souza. A primeira grande gravação daquela valsa, já com letra,  foi feita por Orlando Silva, em 1937.

 

A Rosa, de 1917, sem letra, tinha 3 partes como a maioria das peças de chorinho feitas à época. Mas com a letra, acabou ficando com apenas duas partes, tendo versos diferentes para a primeira. Eis a letra que Otávio de Souza colocou:

Tu és, divina e graciosa
Estátua majestosa do amor
Por Deus esculturada
E formada com ardor
Da alma da mais linda flor
De mais ativo olor
Que na vida é preferida pelo beija-flor
Se Deus me fora tão clemente
Aqui nesse ambiente de luz
Formada numa tela deslumbrante e bela
Teu coração junto ao meu lanceado
Pregado e crucificado sobre a rósea cruz
Do arfante peito seu


Tu és a forma ideal
Estátua magistral oh alma perenal
Do meu primeiro amor, sublime amor
Tu és de Deus a soberana flor
Tu és de Deus a criação
Que em todo coração sepultas um amor
O riso, a fé, a dor
Em sândalos olentes cheios de sabor
Em vozes tão dolentes como um sonho em flor
És láctea estrela
És mãe da realeza
És tudo enfim que tem de belo
Em todo resplendor da santa natureza


Perdão, se ouso confessar-te
Eu hei de sempre amar-te
Oh flor meu peito não resiste
Oh meu Deus o quanto é triste
A incerteza de um amor
Que mais me faz penar em esperar
Em conduzir-te um dia
Ao pé do altar
Jurar, aos pés do onipotente
Em preces comoventes de dor
E receber a unção da tua gratidão
Depois de remir meus desejos
Em nuvens de beijos
Hei de envolver-te até meu padecer
De todo fenecer
Outro amigo me escreve registrando que eu deveria ter colocado o choro mais lindo deste mundo na postagem, que, na opinião dele e de muitos , é "Ingênuo". O choro é de parceria com Benedicto Lacerda que, pra quem não sabe, quitou as prestações da casa de Pixinguinha, numa espécie de adiantamento de direitos autorais, quando o mestre estava numa fase bem dura. Algumas publicações citam Ingênuo, como sendo a peça preferida do São Pixinguinha. Eis uma mostra com o genial Ronaldo do Bandolin no solo, Dino Sete Cordas, e o Conjunto Época de Ouro. 


Resisti ao máximo em fazer menção a Carinhoso na postagem do Santo, correndo o risco de receber indagações do porque não citar esta obra de Pixinguinha e letra de João de Barro. Como esta canção é sucesso também do outro lado do mundo, pesquisei uma interpretação em japonês e mostro pra vocês. A interpretação e de

高田泰久&布上智子 谷中ボッサ


 Até a próxima...