No último dia 13 de abril, Dona Ivone Lara completou 95 anos. Por ser negra, mulher e sambista, por si só, já é uma dádiva ter sobrevivido com altivez até aqui. A Rainha do Samba, merecedora da reverência de ser chamada de "Dona", compôs , ainda em 1947, com apenas 26 anos, o samba "Nasci pra sofrer", com o qual a Escola de Samba Prazer da Serrinha desfilou naquele Carnaval. O leitor pode imaginar o tamanho do feito? Pois num ambiente, predominantemente masculino, uma mulher ter um samba de sua autoria, escolhido para ser o hino da Escola, o samba-enredo da agremiação, num tempo em que a mulher ainda era vista como menos capaz, é algo extraordinário. Mas aconteceu porque seu samba e sua inspiração são maiores que os preconceitos da época e, até mesmo, os dos dias em que vivemos. Mas certamente isto só foi possível por ter se casado com o filho do presidente da "Prazer da Serrinha".
Lamentavelmente não conheço este samba. Mas pra gente não deixar de ilustrar sonoramente sua genialidade, vamos ouvir um samba de sua autoria e de Délcio Carvalho, cujo título diz que ela nasceu mesmo foi pra cantar e sonhar. Um dos mais emocionantes sambas, que incluí, há anos, no meu próprio pessoal repertório. Impossível não chorar...
Dona Ivone desde cedo aprendeu a se virar sozinha. Aos seis anos já era órfã de pai e mãe e foi matriculada num colégio interno, onde ficou por 17 anos. Mas, sendo sobrinha de Tio Hélio e Mestre Fuleiro, trazia no sangue o samba e o batuque do Morro da Serrinha, localizado em Madureira , no Rio de Janeiro.
Aos doze anos ganhou de presente de aniversário dos tios sambistas, um pássaro. Um tiê-sangue. Como era muito "levada da breca", os tios ameaçavam soltar o passarinho se ela não se comportasse direito...pois é...acabou acontecendo e soltaram seu tiê-sangue da gaiola. O fato marcante inspirou nossa Diva a compor seu primeiro samba, "Tiê-tiê". Deixo para vocês um registro , de 1976, cujo som não é bom, mas vale muito como documento histórico.
Dona Ivone Lara, que conheci na quadra do meu Império Serrano, merece muito mais postagens e homenagens de minha parte e de todo o povo brasileiro. Na semana que vem , se Deus quiser, posto mais sobre sua linda trajetória. Um abraço e até lá!
Tudo bem que já esteja claro que Garoto foi um dos maiores instrumentistas brasileiros. Mas, e suas composições? "Gente Humilde", parece ser a sua mais conhecida canção. Com certeza devemos esta visibilidade a Chico Buarque que, além de ter ajudado Vinícius na produção da letra, gravou a canção em 1970.
Não é habitual aqui no Brasil citar os autores das canções nas rádios. Mas acredito que "Duas contas", muitos conheçam. Só não sabiam que era de Garoto. Para relembrar o leitor, ouçamos, na interpretação de Paulo Bellinati.
Uma de suas mais belas canções e, na minha opinião, a que melhor representa a sua genialidade autoral é "Lamentos no Morro". Vamos ouvir com Raphael Rabello.
Estou entre aqueles que dizem que Garoto influenciou a bossa nova. Goroto faleceu em maio de 1955, mas ouçam, na voz de Luciana Souza, a canção "Sorriu para mim", e percebam como, muito antes do surgimento da Bossa Nova, ele já compunha uma legítima bossa nova.
Muitas outras canções de Garoto mostram sua versatilidade, seu bom gosto em harmonizar acordes e sua inspiração. Entre as minhas preferidas e que , vez por outra, toco, ao lado de meus amigos de grupos de choro, é "Tristezas de um Violão". Paulo Bellinati, que gravou várias das canções de Garoto, me ajuda novamente a mostrar a vocês esta belezura.
Quando a cidade de São Paulo completou seu quarto centenário, em 1954, comemorou com três dias de festas e solenidades. Uma marchinha ficou muito conhecida de todos, de autoria de Garoto e do acordeonista Chiquinho, em homenagem a cidade. Uma gravação de Hebe Camargo - sim ela já era uma artista conhecida nesta época - fez muito sucesso. Vou poupá-los da voz da Hebe e apresentar para vocês uma gravação de 1953, com o próprio Garoto solando no cavaquinho.
Bem, agora meus leitores e leitoras já sabem que o Garoto era mesmo bom, não só como instrumentista , mas também como autor musical. Vejam o que pensam algumas grandes figuras sobre ele:
"Garoto é um camarada esperto, ele sabe fazer aqueles encadeamentos, ele acompanha de uma forma que fica mais bonita”. João Gilberto.
“Não havia um instrumento de corda que ele [Garoto] não dominasse à primeira vista. Dizia-se que, numa única canção, Garoto era capaz de alternar violão, guitarra, violão-tenor e cavaquinho, passando de um para o outro sem perder um compasso — e esta não era uma daqueles lendas que os músicos gostam de contar, porque ele costumava fazer isto no auditório da Rádio Nacional”. Depois de chamá-lo de “superviolonista”. Ruy Castro, no livro "Chega de Saudade".
“Cantar com Garoto era o máximo que uma pessoa podia querer”. Silvinha Telles.
“Garoto tinha uma concepção musical diferente, acima da média de seus contemporâneos, bastando esta melodia [“Duas Contas”], com seus saltos inusitados, para comprovar este ponto de vista”. Jairo Severiano, no livro "A Canção no Tempo".
"Incluo Garoto entre os pioneiros da Bossa Nova. Toquei com ele no Clube do Cinema. Nesse dia, ele compôs uma música na hora e denominou-a ‘Noite maravilhosa’”. Garoto foi peça importante. Conheci muito o Garoto, muitíssimo. Gravei muito com o Garoto ao violão. Era considerado o maior violonista brasileiro, foi aos Estados Unidos. (...) Gosto muito das coisas dele”.Tom Jobim
"Quando comecei a estudar violão eu ouvia muita coisa do Garoto. Marcou muito em mim e, afinal, me deixou um estilo também. Em sua época o violão era meio quadrado. Foi ele quem criou esta escola de violão moderno brasileiro, que tocamos hoje. Baden Powell. E vocês? O que acharam das canções do nosso Anibal Sardinha? Conte pra mim. Fique à vontade para comentar , seguir o blogue e mostrar a seus amigos e amigas. Assim, fazemos a defesa e divulgação do bom choro e do bom samba. Um abraço e até a próxima.
Em 1939, Garoto já era suficientemente conhecido e admirado por sua extrema capacidade de tocar, muito bem, diversos instrumentos de corda. Onde se apresentava e, principalmente, para quem ele acompanhava nas rádios e gravações, impressionava sobremaneira. Suas composições e arranjos feitos para o mundo do disco e do rádio, faziam com que todo artista, cantor ou instrumentista, desejasse contar com sua genialidade.
Neste mesmo ano, a cantora Carmen Miranda, após uma apresentação no Cassino da Urca, no Rio de Janeiro, recebeu convite do empresário norte-americano Lee Schubert para atuar nos Estados Unidos. Chamou-a para jantar e fez a proposta. Na conversa e nos detalhes, Carmen percebeu que seu desejo de levar o Bando da Lua, o conjunto regional que a acompanhava sempre, liderado por Aloísio de Oliveira, não estava, digamos, "no pacote". Já li, em algumas publicações, que o empresário considerou fraco o grupo e chegou a procurar outros músicos, mesmo no Rio, que pudessem acompanhar a cantora em terras estadunidenses. Carmen, de cara, recusou. Como ir sem o pessoal que a acompanhava há 5 anos?
Mas a época era a da "política da boa vizinhança", projeto do Presidente norte-americano Roosevelt, para impedir a influência europeia na América Latina e garantir a liderança yankee por cá. Creio que, por conta disto, o governo Getúlio Vargas resolveu bancar as despesas de passagens e hospedagens do Bando da Lua, com a desculpa de que todos iriam se apresentar no pavilhão brasileiro da Feira Mundial de Nova York. E o empresário, que não queria o Bando da Lua, teve que engolir o pacote. Assim Carmen e seu conjunto foram para Nova York, onde ficaram por longo tempo, se apresentando, estrelando filmes, comparecendo a programas de rádio e boates, numa frenética e cansativa jornada.
Em cinco meses de estada em Nova York, Ivo Astolfi, violonista do Bando da Lua, comunicou que estaria de volta ao Brasil, abandonando seu posto. Em seguida, Garoto recebia o telegrama de Carmen: "Queridíssimo Garoto, espero que você tenha gostado da ideia de vir para cá e aceite-a, pois esta terra é a melhor do mundo, só estando aqui é que acreditará. Estamos ansiosos que você venha, eu e os rapazes. Abraços da Carmen".
Carmen fez o convite e garantiu que, no mínimo, o ganho dele seria de 200 dólares semanais. Entusiasmado, nosso Garoto interrompeu o trabalho de muito sucesso que fazia no Duo do Ritmo Sincopado, ao lado de Laurindo de Almeida, e partiu. Em 30 de outubro chegou a Nova York, a tempo de participar da apresentação de Carmen e o Bando da Lua, na tal Feira Mundial de Nova York. E antes que o ano findasse, ainda gravaram três discos, pela Decca, de imenso sucesso. Entre as canções estavam: "South American Way"; "Touradas em Madri"; "O que é que a baiana tem?"; "Mamãe eu quero" e "Bambu, bambu".
O Grupo também participou do filme "Down Argentine Way". Olha o nosso Garoto aí na telona gente!...
Garoto estava num mundo novo. O sucesso da Pequena Notável e seu grupo era uma realidade. Logo o grupo fez uma excursão, onde Garoto pode conhecer Chicago, Detroit, Pitsburgh, Saint Louis, Filadélfia e Washington, na qual também foram convidados para uma recepção na Casa Branca. Foram também ao Canadá, o que impressionou Garoto, deslumbrado que ficou com as nevadas de Toronto e as cataratas de Niágara. Nestas viagens interagiu com grandes artistas do jazz como Duke Ellington e Art Tatum.
Em julho do ano seguinte, o grupo ganhou férias e veio ao Brasil. Ao chegarem, Garoto concedeu entrevista a Fernando Lobo, contando as maravilhas da estada nas terras do Tio San, e como agradou por lá, ganhando o apelido de "O Homem dos dedos de ouro". Tinha ele apenas 25 anos. Imaginem. Contou também que conheceu um pianista norte-americano que possuía um um órgão elétrico e que ensinou o músico a tocar "Aquarela do Brasil", de Ary Barroso. Extasiava-se ao ouvir a canção brasileira tocada naquele instrumento. Contou também que trouxe o que havia de mais moderno, em termos de captação de cordas: um tal co-reckt. Em outubro Carmen e o Bando da Lua retornaram aos Estados Unidos. Porém, Garoto decidiu não se juntar a eles. Ao que parece, não concordou com o contrato oferecido, que não permitia voos solos, o que inviabilizava seu sonho de se desprender, vez por outra, de Carmen e mostrar seu talento em apresentações próprias. Melou. Não foi. Ficou frustrado em seu sonho. Ainda mais depois de conhecer a estrutura profissional oferecida por lá, bem superior à do Brasil. Era isso...Ainda falta mostrar pra vocês muita coisa sobre este genial Garoto. Mas fica para a próxima. Um abraço.
O Garoto a que me refiro chama-se Aníbal Augusto Sardinha. Um paulista nascido em 1915, filho de portugueses, criado numa família super musical, entre pai, tios e irmãos, vários instrumentistas, o que despertou, desde muito cedo, a paixão pelos instrumentos de corda. Logo na infância, estudou música e se apaixonou pela obra de Ernesto Nazareth. Jorge Mello, autor do livro "Gente Humilde, Vida e música de Garoto", conta que , ainda muito menino, numa aula de religião, o seu professor falou pra turma: "Houve um homem, extraordinariamente dotado, que foi enviado por Deus à Terra! Logo ficou conhecido como Jesus de Nazaré". O professor, vendo que Garoto estava em outro mundo, sem prestar atenção no que ele dizia, perguntou: Aníbal, qual foi o homem extraordinariamente dotado que Deus enviou a Terra?" E Garoto respondeu de pronto: "Foi Ernesto Nazareth."
Com apenas 11 anos, Garoto apareceu no cenário musical tocando banjo e violão num regional. E já no ano seguinte integraria o conjunto de seu irmão Inocêncio, o Conjunto dos Sócios, que apresentava peças de jazz, onde já era chamado de "Moleque do Banjo". Em 1928 participa das apresentações musicais do Salão do Automóvel, promovido pela General Motors, convidado por Canhoto, considerado o mais importante músico paulista da época. Desde então não parou mais de integrar diversos grupos musicais e com o conjunto "Verde-Amarelo", ao lado de Paraguaçu, participa de sua primeira gravação em disco, sob a direção do maestro Francisco Mignone. São os maxixes "Bichinho de Queijo" e "Driblando", ambos de sua autoria, onde faz os solos no banjo. Que menino precoce!
Garoto não tinha mais tempo pra nada e fez suas primeiras excursões com os grupos musicais pelo interior de São Paulo, onde se apresentava não só no banjo. Assim, ia se tornando um multi-instrumentista. Em pouco tempo já tocava, além do banjo que lhe valeu o apelido de "Garoto do Banjo", violão, cavaquinho e bandolim.
Em 1931 começou a atuar em rádios, iniciando pela Educadora Paulista, e passando para a Rádio Cosmos, convidado que foi por Jaime Redondo, para integrar o Regional da emissora que contava também com Aimoré, Atílio, Pingo e Petit. Foi nesta época, que mudou seu apelido, passando a ser conhecido artisticamente como Garoto. Em 1934, com apenas 14 anos, compôs o choro "Quinze de Julho". Vamos ouvir? Poly é quem o interpreta neste vídeo que achei.
Nesta fase das rádios em São Paulo, passou a ser conhecido de muitos cantores e artistas, que se espantavam com sua versatilidade e excelência na execução de tantos instrumentos. Daí para os discos foi um pulo. Todos queriam Garoto acompanhando e fazendo solos em suas gravações, pelo capricho e criatividade nos arranjos e impecável execução.
Em 1936, um grupo de artistas que atuava no Rio, foi a São Paulo para uma apresentação no Teatro Santanna. Eram grandes e já conhecidos nomes do rádio carioca. Silvio Caldas, Nonô, Luís Barbosa e Araci de Almeida. No ensaio, entre os instrumentistas que iriam acompanhar os astros, estava Garoto, ao lado daquele monte de instrumentos e Silvio Caldas comentou com um outro amigo: "Será que ele toca isto tudo?". Provocado, Garoto foi começando a solar várias peças, primeiro no cavaquinho, depois no bandolim e na guitarra havaiana. Finalizou com o violão tenor, impressionando a todos os presentes que não o conheciam ainda. E assim, Garoto e Aimoré foram convidados a integrar o grupo carioca que depois se apresentou em Santos. Da apresentação, surgiu o convite para irem ao Rio fazer uns trabalhos na Rádio Mayrink Veiga. Este degrau impulsionou de vez a carreira de Garoto, que logo gravou, como solista, de sua autoria, "Dolente", atuando na guitarra havaiana. Ouçamos a gravação original, de 1936.
A temporada no Rio durou meses, sempre atuando na Rádio Mayrink Veiga e participando de toda a programação musical da emissora. Lá conheceu Laurindo de Almeida e Gastão Bueno Lobo, segundo Pixinguinha, o introdutor do Banjo no Brasil. Este tempo no Rio rendeu a Garoto muitos contatos e chamadas para se apresentar e para participar de gravações.
De volta a São Paulo, nosso gênio das cordas foi contratado pela Rádio Cruzeiro do Sul, cuja direção musical estava entregue ao maestro Gaó, um excelente arranjador que montou, para a emissora, a Orquestra Columbia, onde Garoto atuou. Nela Garoto era o responsável por tocar todos os instrumentos de corda, inclusive violino, aumentando ainda mais o leque de instrumentos que dominava.
Ainda morando em São Paulo, participou das gravações de vários sambas cantados por Moreira da Silva, pela gravadora Colúmbia, como "Não sou mais aquele" e "Meu sofrimento". Começou, neste mesmo ano de 1938, a formar um duo com Laurindo de Almeida, que tocava o violão de seis cordas e com Garoto no violão tenor, já um modelo dinâmico, fabricado pela conceituada Del Vecchio. Com Laurindo também acompanhou Carmen Miranda na gravação de "Mulato antimetropolitano" e "Você nasceu pra ser grã-fina". Os chamados para as gravações se sucederam. Gravou com Jararaca e participou das históricas gravações de sucesso de Ary Barroso, tais como " Sem ela", Tabuleiro da Baiana", "Na baixa do Sapateiro" e "Boneca de piche"...nosso Garoto estava em todas.
Difícil entender como um instrumentista desta envergadura não tenha um reconhecimento como um dos maiores que já tivemos. Hoje é raro ouvirmos falar dele. E como compositor ele é, a meu ver, ainda mais importante. Suas canções foram as primeiras a utilizar harmonias com acordes dissonantes, tão precisas, lindas e tão adequadamente colocadas, que não tenho dúvida em registrar que inspirou a bossa nova.
Sobre Garoto ainda há muito o que dizer. Garoto não cabe numa só postagem. Na semana que vem vou contar mais sobre ele, e de como ele foi parar nos Estados Unidos, integrando o Bando da Lua, que acompanhou Carmen Miranda por lá.
Um abraço e até a próxima. Fique à vontade para comentar.
Considero uma das maiores injustiças da nossa história musical, o quase que total desconhecimento sobre a importância de Aníbal Augusto Sardinha, conhecido no meio artístico como Garoto. É mesmo estranho que a maioria das pessoas desconheça o grande instrumentista e inspiradíssimo compositor que foi Garoto.
No final de 2015, fiquei sabendo que o cineasta Rafael Veríssimo estava produzindo o documentário "Garoto, o Gênio das cordas", em comemoração ao centenário de Garoto, nascido em 28 de junho de 1915. O filme vai mostrar como o violonista trocou figurinhas com o Jazz, por ocasião da viagem feita aos Estados Unidos, para acompanhar a cantora Carmen Miranda, e com o impressionismo francês de Dubussy, para mais tarde trocar influências com o pianista, arranjador e compositor Radamés Gnatalli.
Quem assina a pesquisa para o documentário é Lucas Nobile, responsável também pela produção musical, que colheu depoimentos inéditos de Carlos Lira, Dori Caymi, Guinha, Hamilton de Holanda, Henrique Cazes, João Donato, Joel do Nascimento e Paulinho da Viola, entre outros, todos unânimes em considerar Garoto, realmente , um Gênio da Cordas.
Desde de que fiquei sabendo do documentário, tentei contato com o pessoal da produção para saber quando seria lançado o filme. Há pouco tempo responderam a um contato meu, informando que "apesar de várias imagens já terem sido captadas com nossos esforços pessoais, o fato é que precisamos de patrocinadores para continuar a produção.
Para que atinjamos uma obra à altura de Garoto, é preciso remunerar muita gente. Além de músicos e outros participantes que aparecerão nas telas, existe toda uma equipe que vai de câmeras, roteiristas, produtores, técnicos de som, editores, finalizadores, pesquisadores, artistas gráficos. É preciso pagar direitos. Materiais de arquivo. Viagens. Hospedagens. Muita coisa. Mesmo.
O filme já está aprovado na Ancine (Lei Rouanet) para captação e em breve também estará no ProAC".
Fica aqui minha torcida para que consigam os recursos necessários para a finalização e o imediato lançamento do documentário, que poderá fazer mais justiça ao Gênio das Cordas, também um excelente compositor. Por hora, deixo para vocês, o teaser do filme, e prometo falar mais sobre Garoto nas próximas postagens.
"Gente Humilde", uma antiga composição de Garoto, teria surgido durante uma visita dele a um subúrbio carioca. De repente, ao observar aquelas pessoas e suas casas modestas, ele resolveu homenageá-las numa melodia. Tempos depois, o professor mineiro Valter Souto, gravou num acetado, registro que asseguraria a sobrevivência da composição, mantida inédita em disco comercial. Finalmente, quase quinze anos após a morte de Garoto, Baden Powell mostrou-a Vinícius e "Gente Humilde" ganhou letra de Chico e Vinícius. Obrigado por mais esta Baden!
Era isso. Acompanhe e comente. Semana que vem tem mais Garoto. Um artista muito maior que a belíssima canção "Gente Humilde".
O volumoso tráfico de negros, trazidos da África durante séculos, para o trabalho escravo no Brasil, tem sido objeto de muitos estudos e publicações, levando em consideração os mais diversos aspectos. Nesta semana, empreendi um tempo grande em leituras sobre as origens destes negros trazidos para as diversas regiões do Brasil, para trazer pra vocês um pouco deste conhecimento. E quero hoje registrar algumas percepções que se relacionam com o samba e o choro. Podemos afirmar que os negros trazidos da África eram originários de dois grupos distintos, não só geograficamente falando, mas também referindo-nos a seus hábitos, cultura e religião: os Bantus e os Sudaneses ou oeste-africanos. Igualmente interessante observar, além da origem de onde vieram, para onde foram levados. Vejamos um mapa que separei para o leitor com estes registros:
Os Bantus vieram das regiões que se estendiam desde a costa atlântica africana, de países como Angola, até o Congo e Moçambique e foram levados aos portos do Rio de Janeiro e de Pernambuco. Já os Sudaneses eram originários da Guiné, Costa do Marfim, Benin, Togo, Gana e Nigéria, e foram trazidos em massa para a Bahia. Esta origem, e as diferenças entre as culturas, explica muito, em minha opinião, porque a Bahia e o Rio de Janeiro são tão distintos, no que tange a religiosidade praticada em uma e outra cidade. E é, justo neste ponto, que acabam oferecendo influências diferenciadas para as manifestações musicais dos dias de hoje. E até mesmo explica como surgiram, no Rio, o samba e o choro.
A grosso modo, podemos dizer que o povo vindo de Guiné e região são de cultura religiosa Iorubá. São povos monoteístas de língua nagô, que cultuam o Deus Olorum, e têm os orixás como secundários. O Candomblé, muito presente na Bahia, é um belo exemplo desta unicidade religiosa.
Os Bantos já apresentam outras características. Não falavam uma única língua e sim várias aparentadas e não possuíam uma religiosidade bem unificada, sendo dados a sincretismos com outras manifestações. No Rio, em contato com o catolicismo e o espiritismo, gerou o que conhecemos como Umbanda.
Na passagem do século XIX para o XX, em seguida à Abolição da Escravatura e também da decadência da cultura do café, na região do Vale do Paraíba, um grande contingente de negros bantos se desloca das fazendas para o Rio de Janeiro, visto que lá já não tinham meios de sobrevivência, como ex-escravos e sem trabalho para o sustento. Vinham mesmo a pé, seguindo a estrada de ferro que ligava o Rio a São Paulo, e acabaram por ficar nos bairros de subúrbio carioca, especialmente em Madureira e região. Eram negros de formação rural, bem diferentes dos Iorubás mais urbanos da Bahia.
Cerca de 30 anos antes, chegaram ao Rio também os negros de origem Iorubá, vindos da Bahia. Mas estes vieram de navio, instalando-se na região central da cidade, onde ficava o porto e logradouros próximos. Diferentemente dos bantos das fazendas de café, os iorubás já constituíam uma espécie de classe média em Salvador, e alguns de seus descendentes tinham acesso a livros e ao estudo regular.
Note o leitor, assim como eu percebi, uma diferença de preparo entre os negros que vieram da Bahia e se instalaram na Cidade Nova e os que migraram das fazendas paulistas e se fixaram nos morros suburbanos do Rio. Também o Rio do Centro, essencialmente urbano, era bem diferente do subúrbio, quase uma zona rural, à época. Enquanto os bantos se misturavam aos cariocas rurais, os iorubás abriam seus pequenos comércios ou se empregavam no poder público como nos Correios ou na Guarda Nacional. Alfredo da Rocha Viana, pai de Pixinguinha, um destes baianos , era funcionário da Repartição Geral de Correios e Telégrafos, e Hilária Baptista de Almeida, a famosa tia Ciata, tinha um pequeno comércio no ramo de alimentação que empregava mais que uma dezena de pessoas. Seu marido, João Batista da Silva, que tinha cursado medicina em Salvador, sem ter concluído contudo, era funcionário da Delegacia de Polícia.
Enquanto estes baianos iorubás mantinham seu culto religioso em suas casas, seguindo no Candomblé, os negros bantos iam misturando santos do catolicismo e dogmas do espiritismo, nos terreiros de umbanda do subúrbio. Embora para maioria da população branca do Rio tudo fosse "macumba" e coisa de preto.
Musicalmente, os baianos se inseriram logo no carnaval carioca dos Ranchos, já que eram iniciados em teoria musical e dominavam instrumentos de sopro e corda, liam partituras e executavam polcas, lundus e maxixes com facilidade e excelência na execução. Entre eles, surgiu Pixinguinha, o gênio da raça, que por sua genialidade e beleza de suas composições, ganhou penetração na sociedade carioca e criou o chorinho, a expressão maior da nossa música instrumental.
Um pouco mais tarde, em meados da década de 1920, os bantos começam a aparecer no cenário musical também. Estes, não sendo iniciados em teoria musical, faziam seus batuques nos morros periféricos dos subúrbios do Rio, se organizaram em grupos de percursionistas, introduzindo aqui e ali, cada vez mais novos elementos de ritmo, que acabaram por formar os blocos carnavalescos que deram origem às escolas de samba. Entre seus líderes, Mano Elói, Carlos Cachaça e Carola, na Mangueira, e Paulo Benjamin de Oliveira, que embora nascido no centro em 1901, mudou-se para Oswaldo Cruz, bairro próximo a Madureira, ainda jovem, e formou o bloco Baianinhas, que deu origem a Portela.
No início da década de 1930 já existiam três dezenas de Escolas de Samba nos subúrbios da Central do Brasil. E os cantores do rádio, que começa a ganhar espaço, buscaram conhecer a novidade nos morros, e gravam as composições dos artistas bantos, que acabaram por fixar o samba como uma das maiores expressões da nossa música.
Tudo isto explica as diferenças entre as manifestações musicais do Rio e Janeiro e da Bahia. Um é choro e samba, o outro é batuque e axé. Um é roda de samba e choro, o outro é trio elétrico, Filhos de Gandhi e Olodum. O que importa mesmo é que tudo isso é coisa de preto.
Para saber mais sobre o assunto e muito mais, recomendo a leitura do excelente livro da professora Marília Trindade Barboza, de quem tenho orgulho de ter contato vez por outra, chamado "Coisa de Preto". Ela é também autora de várias obras biográficas como as de Silas de Oliveira, Paulo da Portela e Cartola, essenciais em minha estante.
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Uma das tarefas deste espaço é dar luz a importantes personagens do nosso samba. Em muitas pesquisas e leituras que faço sobre alguns destes craques, as dificuldades são imensas. Na última postagem, citei dois esquecidos compositores, sobre os quais se tem pouca notícia, mesmo relendo livros que, para mim, são referências no assunto, como os de Ary Vasconcelos (Panorama da Música Popular Brasileira) e o Dicionário da Música Popular Brasileira, de Ricardo Cravo Alvim. Hoje quero dar alguma luz a Gradim, sugestão feita por um assíduo leitor, em seus comentários.
Muito pouco encontrei sobre a vida de Gradim, cujo nome é Lauro dos Santos. Mas graças a suas composições e parcerias com Noel Rosa, Ismael Silva e outros, há registros de belos sambas, gravados no inicio da história do samba.
Sua primeira canção gravada foi "Vem, meu bem", na voz de Benício Barbosa, pelo selo Odeon, em 1928. Ainda identificado como Lauro dos Santos, teve a ventura de ser gravado por Francisco Alves e Mário Reis, dois dos maiores cantores da época, que registraram "Quá, quá, quá", em dezembro de 1930.
A dupla voltaria a gravar Gradim, em 1931, pela Odeon, através do samba "Nem assim", todos de sua exclusiva autoria, sem participação de parceiro. Temos a letra de "Nem Assim":
Ai minha
vida
Oh Deus tenha pena de mim
Deixei a maldita malandragem
Para ver se endireitava
Mas nem assim
Para
ver se endireitava
Eu deixei a malandragem
De que não adiantava
Nunca mais levei vantagem
Vou voltar a vida antiga
Pra voltar a ser feliz
Do contrário Deus castiga
Foi no samba que eu me fiz
Ai
minha vida
Oh Deus tenha pena de mim
Deixei a maldita malandragem
Para ver se endireitava
Mas nem assim
No samba
foi que eu nascí
Nele tenho que morrer
Porque isso eu já vi
Que é o meu maior prazer
Quem achar que não está bem
Pode até falar de mim
Não vou atrás de ninguém
Hei dei viver sempre assim
Gradim era mais um dos frequentadores dos bares do Estácio e conviveu com Ismael e aquela turma incrível e criativa que deu a roupagem definitiva ao samba que hoje conhecemos.
Participante também do bloco dos Arengueiros, que deu origem a Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, Gradim foi da primeira geração de compositores da agremiação, ao lado de Cartola, Carlos Cachaça, Zé com Fome, o depois chamado Zé da Zilda, e outros. Integrou também a comissão de bateria, no primeiro e vitorioso concurso de 1932, ao lado de Maciste, Martins, Ismar e Lúcio. Seu nome sempre é citado como o responsável pela entrada de Jamelão, o mais famoso intérprete de sambas da Mangueira, na Escola.
Com Noel Rosa compôs "Quero Falar com Você", gravado em 1933, na voz do cantor João Petra de Barros.
Outro samba bem bacana incluí Ismael Silva e Noel Rosa na parceria com Gradim. É "Sempre Sorrindo", gravado também por João Petra e que integra a coleção "Noel Pela Primeira Vez", que, Graças Deus, tenho aqui comigo.
Não sabemos outros dados de Gradim. Nada. Onde nasceu, em que ano e nem quando morreu. Achei referência de que foi um bom jogador de futebol, tendo atuado ao lado de Leônidas da Silva, o famoso craque da seleção, criador da bicicleta. Como muitos de sua época, Gradim faleceu vítima de tuberculose.
Outros sambas de Gradim são: "Samba na Mangueira", "Não se faz de inocente", e "Alegria", famosa na voz de Cartola, mas poucas vezes citada como parceria com nosso Gradim.
É isso aí... por esta é só. Vamos ver se acho alguma coisa sobre seu amigo Maciste.
Um abraço e até a próxima. Fique à vontade para comentar e sugerir pautas pra mim...motiva-me muito.